A senhora Custódia estava doente, cravada pela escumilha das bexigas e do medo. Um paivante fumador levantava a cabeça a fazer de conta que não havia guerra. Uma esquadrilha de aviões passava nos ares espantando o passarelho. Foi preciso meio milhão de anos para nos habituarmos ao fogo. No entanto, bastaram poucos para nos familiarizarmos num pensamento em que as forças bélicas ultrapassaram infinitamente as do fogo… saberemos usá-las?
Há uma história velhinha em que um ancião sabedor anunciava que com a guerra, o fim do mundo estava a chegar. Todos acreditaram na sapiência do velho, e logo deitaram mãos à obra. As famílias começaram a distribuir todos os bens, ficando apenas com a roupa da cama. Os ricos desfizeram-se do melhor que tinham para dar aos pobres. Os pobres davam aos mais pobres e todos se queriam confessor para remissão dos pecados. Até o padre Inácio se queria penitenciar perante o Bispo dom Clemente e este quis ir ao Santo Papa… O Papa rezava a Deus e Deus olhava para todos…
No dia anunciado da profecia, a população foi para o monte mais alto aguardando o momento derradeiro. Todos vestidos de branco, as crianças a confundirem-se com anjos. O povo juntou-se, orou e cantou e nunca os cânticos foram tão bem proclamados de exultação; nunca os olhares foram tão impregnados de humanidade. Quando chegou a noite, ouviram-se hosanas libertadoras. A hora terrível estava a chegar, e eis que no ar passa uma estrela luminosa cheia de luz resplandecente, e logo uma explosão de gritos se ouviu… chegou a hora anunciada e nada. Homens e mulheres retinham a respiração, os namorados davam o último beijo, as crianças estavam protegidas dentro dos xailes das mães. O tempo passava e… nada. A angústia empalidecia os rostos, mas, aos poucos, toda a gente começava a sentir um grande alívio. Pelo sim pelo não, passaram a noite em cima do monte, agora entoando canções mais vibrantes e danças quentes e frenéticas. Não havia ricos nem pobres, mas apenas uma única família.
De madrugada desceram o monte e quiseram encontrar os seus bens: tachos, caçarolas, tigelas, vacas e burros, pássaros nas gaiolas. Parecia que tudo estava santificado… a manhã refloriu como açucena sobre um ermo.
A senhora Custódia não fora para o monte porque continuava doente. Queria morrer na cama e em paz.
– Dói-lhe a cabeça?– perguntava a neta.
– Sim, dói.
– Avozinha: vou buscar-lhe qualquer coisinha para se consolar e um médico para a curar.
Naquela manhã, as pessoas lavavam as ruas cantarolando em espírito solidário.
As melodias enchiam de alegria a aldeia. A esperança modelava-se no desejo infinito de uma paz duradoura. O padre Inácio integrou-se no espírito comunitário e emocionado pelos acontecimentos levantava a cruz bem alta como que a agradecer a Deus a sua insondável misericórdia.