Terça-feira, 21 de Janeiro de 2025
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O fulgor da música popular: A música permanece, os grupos é que não

Tradicionalmente, junho é o mês dos santos populares. O povo não se poupa em homenageá-los com o requinte que eles merecem. E diverte-se.

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Organiza e participa em vários tipos de folias. São os ramos de manjericos, os balões e os arcos enfeitados, as fogueiras que se saltam com um só impulso, as cascatas, as pancadinhas dos alhos porros, as rusgas e as marchas populares. Tudo isto envolvido em música também ela popular vinda de há muito tempo que as festas e os descantes têm origem muito antiga.

A música tradicional não tem tempo nem lugar, corre nas vielas e nas avenidas (“Lisboa já dança na rua”), nos bairros (“A marcha da Mouraria”), nas famílias (“Vamos todos ao São João”), não só em Lisboa mas também no Porto (“São João das Fontainhas”) ou em Braga (“Orvalhadas minhotas”).

“Quem diz que a música portuguesa não é pujante não sabe do que está a falar”

Sérgio Godinho, autor e cantor

Já sabemos que, a partir de 25 de abril de 1974, muitas coisas mudaram em Portugal. Uma delas foi a nova maneira de ver e de pensar a cultura, especificamente a música popular e tradicional portuguesa. E se falamos desta data libertadora, não queremos dizer que a música portuguesa só tivesse aparecido nesta época. Mas sem dúvida que com a revolução de abril, nesse ano, também a música se libertou de algumas grilhetas. Até o fado, a chamada “canção nacional”, era alvo de alguma chacota. Foi então que grupos jovens se formaram para mostrar ao país, em inúmeros espetáculos e em edição de discos, a beleza, a qualidade, o fulgor da nossa música, aquela que o povo tem cantado através de gerações seguidas.

“Mudar foi uma das grandes conquistas do 25 de abril. Tenhamos este prazer, ignoremos as barreiras que separam a universidade da vida enquanto no-lo consentem os novos empreiteiros da cultura. Tenhamos este prazer enquanto o gratuito ainda não pagar multa nem imposto”

Prof. José Mattoso, historiador

AS ROUPAGENS DA NOSSA MÚSICA

Antes, a rádio estava veiculada às cançonetas e aos cançonetistas. Mais ou menos conformistas, fatalistas, soltando lamentos e lamúrias, desalentos de amor. A televisão tinha outra forma de estar e de sentir a música, de forma mais criteriosa, mas havia a censura oficial que não permitia muitas veleidades aos órgãos de comunicação social e as artes ressentiam-se. Até que “a revolução dos cravos” fez surgir uma maneira nova de ver a questão: o tratamento de temas musicais e de cantigas que andavam na voz do povo que, por desconhecimento, as pessoas menosprezavam. Salvou-se o esforço de musicólogos e etnólogos como Leite de Vasconcelos, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Lopes Graça, Michel Giacometti ou Lousã Henriques.

Foi então que se passou a ouvir temas de grande originalidade, vestidos com outras roupas. Surgiram grupos de gente nova. A descoberta do “rock português” (que marcaria uma época logo a seguir, a partir de Rui Veloso e do seu memorável “Chico Fininho”) viria depois. Mais tarde ainda, apareceu a “música pimba” que acabaria por deturpar e destronar a música tradicional, impondo-se através da brejeirice de um Quim Barreiros ou de uma criança chamada Saul.

Saber de grupos tão importantes como o “Almanaque”, o “Raízes” ou a “Banda do Casaco” (por exemplo) é um dom que nos permite manter a memória da boa música portuguesa que se ouviu na rica e formosa época de setenta/oitenta do século que já passou.

Mesmo com caráter de exceção, ainda ouvimos hoje (como há pouco tempo, em Vila Real) um grupo chamado “Karetus”. Peça rara e preciosa que, ao fazer-se ouvir, nos deu vontade de relembrarmos alguns dos grupos que se dedicaram à divulgação da música popular e tradicional portuguesa, com a sensação de que (excetuemos o caso especial do cante alentejano) boa parte dos movimentos de ressurgimento da nossa música tradicional se situou mais a norte do que a sul.

“Atrai-me tudo o que vai ao fundo do ser humano. O que é mais universal e permanente no Homem. Ora, aquilo de que aqui se fala remete precisamente para essas realidades mais vastas, menos superficiais e menos afetadas pelo tempo Aquelas que servem aos homens para se conceberem a si mesmos como componentes de um todo”

José Mattoso, prefácio de “Olhos, coração e mãos no cancioneiro popular português”, de Ana Paula Guimarães


GRUPOS DE MÚSICA POPULAR PORTUGUESA DOS ANOS 70 E 80

ALAFUM: Grupo da região de Lafões, sedeado em São Pedro do Sul, um dos raros que construíram a sua obra fora dos meandros dos grandes centros.

ALMANAQUE: Um dos mais criteriosos grupos de música popular, com escolhas abrangentes, do Minho (“Maruquinhas”) ao Algarve (“Menino Jesus”), estendendo as suas opções por aí fora, mesmo às ilhas. O princípio do “Almanaque” era o da fidelidade às raízes da tradição musical.

BANDA DO ANDARILHO: Grupo de música popular escolhida a partir das grandes referências do folclore português.

BANDA DO CASACO: Grupo citadino, muito mediatizado pela rádio (não tanto pela televisão) evidenciou-se por algumas cantigas antes desconhecidas a que transmitiu um jeito próprio de as interpretar

BRIGADA VÍTOR JARA: Outro grupo de boa expressão, fazendo trechos próprios e utilizando recolhas. Também aqui se apresentam cantigas (propositadamente, não utilizamos o termo mais circunspeto de canções para não as confundir com o que então foi chamado o “nacional-cançonetismo” apoiado pelo regime político do Estado Novo) de zonas distintas: “Chamarrita” dos Açores ou o “Tareio” do Douro Litoral.

CANTARES DO MINHO: Grupo integrado na corrente que, antes de abril, era (erradamente) intitulada de “conjuntos típicos” de que se celebrizaram os de Maria Albertina ou António Mafra) que se dedicou exclusivamente à música popular da região minhota, tal como “Vira de Sandiães”, “Saia velhinha”, “Mariazinha” ou o que se tornou um grande êxito na altura, “Fora da bouça”.

CANTARIL: Faz a divulgação da música popular e tradicional acústica para grandes ou pequenos espaços.

CHARANGA: Grupo carismático na época, formado em Lisboa, reunindo peças de várias latitudes e cantigas como “O conde da Alemanha”, “Varina” ou “Sabor da Água”.

DE LÉS A LÉS: Autodesignado “Grupo de Ação Musical e Cultural” virou-se para a riqueza do folclore, desde a “Destravadinha” do Alentejo, “Dom Solidom” da Estremadura e o tão conhecido trecho transmontano “Ó Ferreiro guarda a filha”.

GAC, VOZES NA LUTA: GAC era um grupo de ação cultural que aplicou a nossa música popular a trechos de cariz político ilustrador da época tão próxima ainda da revolução de abril. O grupo era uma cooperativa cultural de Lisboa. “Chula de Penafiel”, “Toada de aboiar” ou “O maridinho” são alguns exemplos de cantigas que interpretavam.

GAITEIROS DE LISBOA: Este grupo faz exploração das sonoridades de vários tipos de gaitas de fole, executando reportório diversificado das regiões transmontana e galega.

PEDRA D´HERA: Mais localizado (o grupo estava sedeado no Fundão, ao contrário da maioria que residia em cidades como Lisboa, Braga ou Porto). “Hera e não era” (um trecho baseado numa lengalenga conhecida), “Ai, Serafina” ou “Terra que mata” fizeram destacar o grupo, sendo que as duas últimas foram criadas por elementos do grupo, a partir de elementos colhidos na região beirã.

QUADRILHA: Um projeto cultural que congrega a música popular tradicional portuguesa e celta, com “Contos de fragas e pragas”

RAÍZES: Outro grupo de ação cultural dando ênfase à música tradicional portuguesa, originário de Braga. Salientou-se com modas como “Música do Rei David”, “Boiada”, “Flor de chá” e “Tia e sobrinho” (“dueto de cegos”).

ROMANÇAS: O grupo interpretou outro tipo de música (de origem celta), alguma dela de antes da nacionalidade portuguesa. Temas como “Além daquela janela”, “Beiroa”, “Limão maduro” ou “Gerinaldo” marcaram pontos pela forma inteligente como foram feitas algumas adaptações na música e nos instrumentos musicais de origem.

RONDA DOS QUATRO CAMINHOS: Disseram sempre que os temas que interpretavam eram “uma tentativa para devolver uma nova voz ao eco longínquo, mas sempre vivo do valiosíssimo folclore musical do nosso país, com respeito e fidelidade pelo seu espírito mais profundo”. Destaque para “Contradança” (Douro Litoral), “Cantiga de fiadeiro” (Trás-os–Montes) e o “Pezinho” (dos Açores).

SEARA VERDE: Recolhas e arranjos de origem popular das cantigas “esquecidas” de locais como Grândola e outros do Alentejo: “Não quero ir para a guerra”, “Fui falar a uma moça” ou “Caninha azul”.

SIG’A RUSGA: Grupo do Porto, de pesquisa e divulgação da música popular, nasceu numa associação de moradores (Serralves), quando esta também traduzia os novos tempos após a revolução. Divulgou trechos de várias proveniências, de Barqueiros (“Sr. Arrais do Barco”) a Rio de Onor (“Al passar el puente”) e outras bem conhecidas como “Senhora Ana”, “Farrapeirinha” ou “Margarida Moleira” com incursões aos Açores (“Chamarrita”) ou à Madeira (“Baila que baila”).

SOL NASCENTE: Afirmativos da “prova insofismável da identidade própria dum povo que ao longo dos séculos teima em manter-se português”, como deixavam claro nas suas mensagens. Com “Ao passar a ribeirinha”, “Rusga ao Senhor da Pedra” ou “Debaixo de uma latada” tiveram boa receção nos quilómetros que percorreram para chegar às festas populares em qualquer canto.

TERRA A TERRA: “Fui-te ver, ´stavas lavando”, “Olha o velho, olha o velho” ou “Mirandum se fue à la guerra” notabilizaram um grupo que, consoante a sua designação sugere, percorreu o país, terra a terra, para recolher e divulgar através de espetáculos.

TRIGO LIMPO: Este grupo dedicou-se integralmente à recolha, adaptação e divulgação da música do Alentejo: “Cantiga da passarada”, “Não quero que vás à monda” ou “Não é tarde nem é cedo”. Arriscou, mesmo, interpretar o cante alentejano. Percorreu localidades, trilhou muitos quilómetros para levar a cabo as suas jornadas musicais

VAI DE RODA: Outro grupo portuense, nascido da intervenção política muito própria da época, constituído por estudiosos da música popular e tradicional e que se destacou com temas como “Minha roda ´stá parada”, “Bai-te labar morena”, “Mineta” ou “Macelada”.

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