Miguel Torga, que era ateu, no seu poema “Natal” escrito em 25 de Dezembro de 1983, ensina-nos:
Ninguém o viu nascer.
Mas todos acreditam
Que nasceu
É um menino e é Deus.
A verdade é que o Natal é um período do ano que vivemos com uma disposição diferente, com mais tolerância, com mais amizade, muitos com fraternidade e solidariedade. É pena que só cultivemos alguns dos nossos sentimentos mais nobres nesta época do ano. Porque não todo o ano? Como é habitual dizer-se: “Natal é quando a gente quiser”. Muitos, infelizmente, continuarão a viver este tempo de amor, de solidariedade e de paz, penando a sua condição de doentes, de marginalizados, de prisioneiros, amargando a sua vida de miséria e de desgraça, sem esperança num futuro melhor. Por isso, o Menino Jesus se queixa como no poema de João Coelho dos Santos “Natal de Quem?”. Este fala-nos da excitação da noite de Natal que nos faz esquecer o Menino para nos preocuparmos com a ceia, o bacalhau, o peru, as rabanadas e o bom vinho. Seguem-se as prendas, momento mágico para as crianças e para o nosso imaginário que as atribui á generosidade do “Pai Natal”. O final da noite e da festa transforma-se num “circo” de presentes, de embrulhos, de sacos, de papéis e como diz o nosso poeta:
O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar
E nesta noite a terminar, quem lembrou o festejado, o nosso Menino Jesus? O nosso poeta dá voz a um Menino triste e choroso pelo esquecimento a que foi votado:
E o Menino, quase a chorar:
– Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
– Foi este o Natal de Jesus?…
O Natal, na sua pura mensagem, não é o banquete desregrado nem o exagerado consumismo que nos parece inebriar. O Natal não carece de grandes explicações, nem de grandes lucubrações teóricas, filosóficas, teológicas ou de outra índole, para ser entendido tal como o conhecemos e o representamos no presépio. Afinal, tudo é muito simples e natural. O mundo de guerras, de conflitos, de ódios, de desigualdade e de pobreza em que vivemos, não serve, não presta e, por isso, vem um Menino com o seu exemplo e com a sua palavra, anunciar-nos que o podemos transformar num mundo mais humano, mais solidário, mais justo, com mais paz e amor entre os homens. A mensagem do Natal e o exemplo do Menino é que esta transformação pode e deve ser feita por todos nós, em paz, no respeito pela vida humana, sem revoluções, sem ódios, sem violência, sem mortes.
Para todos os funcionários e leitores deste jornal um Santo Natal e os votos de que o Menino Jesus esteja presente nos vossos corações.