Apesar das adversidades, os pobres e os tolos apreciavam as festividades, especialmente a Quadra de Natal. Entre eles estava o Zé Pobre, uma figura errante de barba branca, espessa e desalinhada. As suas mãos, sujas e encardidas, eram tão escuras que pareciam quase negras, e o corpo exalava um odor forte, como se viesse de tempos medievais.
O Zé Pobre, conhecido como “cantaroleiro”, chegou a Mateus numa noite gelada, dois dias antes da ceia de Natal, nos anos 60. As roupas esfarrapadas que trazia mal lhe cobriam o corpo, mas, apesar do frio cortante, ele irradiava sorrisos de felicidade. Naquela noite, não pediu nada; apenas sorria docemente, espalhando bonomia. Parecia um outro homem, balbuciando que tinha sonhado com Jesus.
Outro tolo conhecido era Jerónimo, um homem baixo e franzino, de barba longa, olhos azuis e pele gretada pelo frio. As suas pernas arqueadas e o olhar quase santificado tornavam-no inconfundível. Jerónimo quase não falava; limitava-se a bater às portas com uma saca ao ombro e a sorrir, um sorriso puro que desarmava qualquer coração. Ninguém resistia à sua presença, e sempre lhe ofereciam algum mimo. Os cães seguiam-no com devoção, protegidos da crueldade humana. Jerónimo, apesar da sua própria miséria, partilhava generosamente as esmolas com os animais, que abanavam as caudas em gratidão.
Havia também Olinda, conhecida como “Olinda Maluca”, que caminhava pelas ruas tricotando meias. Durante a quadra natalícia, fazia questão de oferecer as meias que tricotava às famílias mais humildes. Em troca, as pessoas retribuíam com o que podiam: um pedaço de broa, bolos de bacalhau, uma rabanada ou alguns frutos secos. Este gesto de partilha criava laços de solidariedade que uniam a comunidade.
Hoje, o Natal parece irreconhecível. A cultura moderna insiste em apagar os símbolos cristãos e a espiritualidade que outrora caraterizavam esta festa, ignorando tradições ricas em solidariedade e humanidade. Vivemos tempos em que a hipocrisia e o egoísmo endurecem os corações, comprometendo o verdadeiro espírito desta época tão grandiosa em valores.
Histórias como as de Zé Pobre, Jerónimo, Olinda e Ana, uma mendiga de Lordelo que pedia esmolas como quem desempenhava um ofício, ajudam-nos a compreender a verdadeira mensagem do Natal. Este deveria ser um momento de família, partilha e solidariedade entre todos os habitantes da Terra.
No passado, as pessoas permaneciam fascinadas diante do presépio, imersas num universo de paz interior, penetrante e inefável. Nesse cenário de serenidade, parecia que o Menino Jesus abençoava todos por igual com o seu amor imenso e abrasador, iluminando a humanidade sem distinções.