Sábado, 7 de Dezembro de 2024
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Palradores de café

Na mesa ao lado um palrador fala em estribilhos fanfarrónicos, a ânsia de expelir palavras domina todas as suas emoções.

A funcionária atarefada com a sala quase cheia lá vai respondendo laconicamente “sim e não”. O palrador sobe de tom em decibéis troantes soltando gargalhadas avulsas e olhando para a diligente funcionária. Esta, já cansada de o ouvir, quase não lhe responde até porque os clientes avolumam-se no pequeno espaço.

O palrador, sentindo-se ignorado dispara: “estamos em guerra, menina, cuide-se que os gajos não brincam”. “Que gaijos?” Pergunta uma cigana, pesada de ancas e entretida na raspadinha. O palrador, ofendido da pergunta saída da boca da cigana, ataca: “ouça lá sua escura eu não falo consigo, estou a dialogar com a funcionária”. A cigana, envergonhada sai disparada sem acabar a tarefa da raspadinha. A funcionária desliza: “a dialogar comigo? Eu estou sim a trabalhar e não a tagarelar”.

Entretanto com o seu jeito de galanteador, o palrador pega no seu telemóvel vistoso e simula receber uma chamada duma jovem. “És tu meu amor, estás em Paris? Ah, quem me dera estar aí contigo agarrado ao calor dos teus abraços”, e discorreu num tom de voz forte: “ah, já falta pouco meu amor”.

Os olhares para o palrador eram como setas incendiárias com tanta gabarolice. E quando entra uma catraia bem estreita de cinta, o palrador levanta-se para a abraçar mas a jovem ignora-o perante tantos mirones que não tiram os olhos daquele unto de vaidades. Eis que de repente, já calejada pelos arrufos galanteadores do marido, a mulher do palrador espreita para dentro do café e ordena: “anda p´ra casa meu safanório maroto, meu gabiru, vem fazer o almoço se o quiseres comer. 

O palrador encolheu-se de vergonha e de cabeça baixa saiu dali silencioso e apressado, se tivesse rabo ele o teria bem metido entre as pernas.

 Adivinhava que em casa a mulher Vitorina o iria punir, não com palavras mansas mas com algum açoite nas costelas pois a Vitorina tinha cabedal, nervo e fibra para por o “Jacinto” na ordem.

Todos olharam a saída do bazófia e todos entre dentes riram desbragadamente de consolo e de alívio ao mesmo tempo. “O Jacinto é um homem de bebedeiras e trapalhadas,inconsolado por não ser correspondido nos constantes engates que pretende levar a cabo, vai morrer de cirrose como o pai Euclides que Deus o tenha em descanso”. Este desabafo foi dito na hora por uma mulher ainda jovem e enlutada de preto em memória do seu defunto homem que morreu engasgado com uma espinha de carapau. Esta mulher, desde então nunca mais quis peixe de espécie alguma. Carne e só carne, é a sua dieta alimentar, por isso a figura mastodonte que já ninguém lhe pega.

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