Dois admiráveis patronos, profissionais do mesmo ofício, foram o farol que me guiou na minha vida profissional: o meu Pai e o meu Mestre Linhares Furtado e duas instituições: a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e os Hospitais da Universidade, que deixaram marca na minha vida e memória pela exigência, pelas pessoas, pelos seus profissionais e pelos doentes. Como alguém disse, uma instituição é muito mais do que a soma dos interesses particulares de quem dela faz parte, e a todos entrega um mandato tácito inegociável, não só de a preservar, mas de a fazer crescer. Foi o que tentei fazer, empenhadamente em ambas e julgo tê-lo conseguido.
Meu Pai, Ângelo Américo da Mota, foi o exemplo de Homem, de Cidadão e de Médico que sempre procurei seguir. Pela sua formação, pela sua seriedade e pela sua educação, o meu Pai distinguiu-se, tendo sabido conquistar a estima e a simpatia dos seus pares, dos outros profissionais que com ele trabalharam e dos doentes. Para com estes, meu Pai praticava o diálogo respeitador, o atendimento humanista e a informação verdadeira, ou seja, preocupava-se em ajudar o ser humano fragilizado e dependente que o médico tem perante si. Para muitos que o conheceram e que ainda hoje me falam dele, o meu Pai personificava um verdadeiro aristocrata da medicina. Refiro-me àqueles médicos que usam o estilo e a elegância no exercício da arte e no respeito pelos outros e pela sua dignidade. Tentei dar o melhor uso às qualidades que herdei pela genética e que desenvolvi com a educação e com o trabalho. A presença de meu Pai ao meu lado foi uma constante em vida e a sua memória nunca me abandonou. Quando nos deixou, senti, e recorro a Torga, que se tinha “partido o espelho mágico onde a imagem da minha infância se refletia”. Recordo-o com muita ternura e com uma saudade imensa.
O Prof. Linhares Furtado (LF) foi o meu Mestre na Urologia e na Transplantação Renal. Com ele trabalhei, ininterruptamente, durante 28 anos, desde 1975 a 2003. O convívio diário com personalidade tão marcante fez com que, pouco a pouco, se fosse tecendo uma teia quase invisível de um respeito que, encobrindo um afeto crescente, se desenvolveu na descoberta de qualidades de inteligência e de caráter que a força das convicções potencia e que se consolida na amizade. É isto que dá força à relação entre as pessoas. LF acompanhou toda a minha carreira médica hospitalar e a minha carreira universitária. Com ele, tornei-me melhor médico, fiz-me cirurgião e descobri a transplantação. A transplantação exige dedicação, disciplina, disponibilidade permanente e uma aprendizagem cuidada da técnica, tudo tutelado por uma rigorosa ética. O seu êxito só é conseguido em meios adequados e com mestres que se saibam impor pelo saber e pelo exemplo. Foi o que aconteceu com LF. Na transplantação, LF ensinou-me que esta não se esgota na cirurgia e a sua liderança exige conhecimentos e capacidades nas áreas médicas que a complementam: nefrologia, imunologia, histocompatibilidade, rejeição, imunossupressão, etc. No essencial, era seguir os princípios de Lafranc que escreveu na sua Chirurgia Magna, em 1226: “Não se pode ser bom médico sem conhecer a cirurgia; de igual modo não se pode ser um bom cirurgião sem conhecer a medicina”. Assim, aprendi a amar e a praticar a transplantação no seu duplo exercício, médico e cirúrgico, procurando seguir o conselho de Celestino da Costa: “O cirurgião antes de ser um executante tem de ser um intérprete, quer-se um clínico e não um mero técnico (é um problema de “jeito de cabeça” vs “jeito de mãos)”. A influência educacional que recebi de meu Pai e a formação profissional que adquiri com meu Mestre tornaram-me imensamente feliz e iluminaram-me a vida.