A praia estava alegremente cheia com atropelamentos constantes, originando encontrões, alguns ostensivos e propositados. Havia corpos bronzeados de linhas firmes. Havia matronas com quase tudo ao leu, havia uma rapariga loura com maillot novo rebolando-se na areia, imaginando-se livre em excitantes loucuras amorosas.
Algumas senhoras, sopradas no volume do ventre e da idade, deleitavam-se em histórias de outros tempos, em que os seus corpos eram bem esculpidos, bem delineados que davam nas vistas.
A praia de Tamariz era frequentada por gente fina, gente endinheirada, e nela acorriam estrangeiros, sobretudo brasileiros.
Eu estava acompanhado placidamente da minha irmã Elisabete e, deitados na areia, falávamos de tudo e de nada, simplesmente a desfrutar de um lugar aprazível, sem pressa de sair dali. Eis que de repente surge um nosso amigo de Constantim – Luís Rego – chegado da Bélgica. Quis o destino afortunado que ali nos encontrássemos. Ficámos eufóricos, incrédulos. E o nosso amigo fez-nos companhia estendendo uma toalha colorida de silhuetas de mulheres. Luís Rego era um homem muito viajado, dominando várias línguas, e as suas palavras e movimentos mostravam uma vivacidade incrível que prendia facilmente.
O entusiasmo da conversa foi interrompido quando o Luís se vislumbra com duas garotas ornadas de beleza e de bronze que não deixavam de olhar para nós… CO Luís abalança-se e num inglês soletrado dispara uma melopeia de piropos. Elas enovelam-se em risos esgalhados.
Não desarma o Luís, que lhes atira com uma frase brejeira em francês vernáculo. As duas garotas riam ainda mais, mostrando uns dentes de brancura e olhos ufanos de brilho, juventude e felicidade.
Uma rebolava-se em jeito de provocação. O nosso amigo infere e desabafa: “querem ver que elas falam português? “ As duas levantam-se e, lestas como se há muito nos conhecessem, juntam-se a nós e graciosamente dizem-nos que são brasileiras, do Estado de S. Paulo. Agora a conversa era enriquecida e variada com duas jovens paulistas a manifestarem um desejo irrefreável de nos conhecer.
A minha irmã sentiu-se ali a mais, uma intrusa, e foi ela própria quem inventou uma artimanha qualquer para justificar um compromisso de última hora.
Estávamos os quatro cheios de alegria e dúvidas… expectantes.
O que depois aconteceu fica guardado como um segredo que se tem arrastado por ventos, ondas e marés eternizadas no tempo.
Nesse dia, ficámos ali deitados, os quatro, olhando as estrelas do céu muito vivas e parecia que elas, a essa hora, passavam mesmo por cima de nós.
À meia-noite estávamos submersos numa solidão imensa, num quase silêncio que desejávamos que não tivesse fim.