Sábado, 12 de Julho de 2025
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Reencontro feliz

Lisboa continua a habitar um território secreto onde guardo recordações luminosas.

O tempo que ali passei, enquanto jovem na Marinha, deixou em mim marcas fundas. A cidade, com a sua alma contraditória, soube acolher-me.

Ainda há pouco tempo desci a Avenida Infante Santo com a lentidão própria de quem não tem tempo de esquecer. Ao fundo, entre o bulício do trânsito e o vaivém apressado das pessoas, vislumbrei a Ponte da Pampulha e parei ali, preso a pensamentos e saudades. A cidade devolveu-me num sopro à Lisboa dos anos 70, à Lisboa das zarzuelas nas praças, da música popular tocada com alma, dos concertos em jardins e coretos, dos comboios demorados que nos levavam em doze horas, até às nossas aldeias em Trás-os-Montes.

Lisboa foi também palco da minha formação musical no Conservatório Nacional e membro da Banda da Armada, espaço onde a disciplina e a arte se fundiam num mesmo ideal de rigor e beleza.

Segui o impulso da memória e fui até à Praça da Armada, rumo à casa de ensaio da banda.

Entrei como se regressasse a casa. A música, ali, continuava viva. Fechei os olhos para sentir melhor, os sons que ouvia. A peça era exigente com texturas rítmicas complexas que me embriagaram. A interpretação era soberba, fluída e rigorosa.

Na direção, o comandante Délio Gonçalves, conduzia de forma sublime. A sua presença, os gestos precisos, a escuta atenta ao mais leve sopro, revelavam um domínio completo da arte de dirigir. Havia nele uma epifania contida, uma espécie de magnetismo que impressionava. É raro ver esta simbiose entre maestros e músicos – e nele reconheci o ADN da Banda da Armada. Senti a emoção de reencontrar não apenas o espaço, mas também o espírito que sempre marcou esta formação musical. Ali, há um sentido de missão, de pertença, de compromisso artístico, que permanece.

Ao despedir-me, prometi voltar. Pensar na Banda da Armada, é lembrar uma escola de formação musical e humana. Uma casa de valores e de rigor. Um lugar onde a música é mais do que sons – é serviço, é entrega, é expressão do melhor que temos enquanto comunidade. Em Portugal ou além-fronteiras, a Banda da Armada é admirada pela qualidade dos seus músicos, pelo reportório e pela seriedade com que leva a arte aos palcos, aos teatros e às cerimónias. Em tempos em que tantos parecem esquecer o valor das instituições que nos elevam, é justo lembrar e celebrar o que de melhor construímos coletivamente. A Banda da Armada é uma dessas instituições: viva, firme e exemplar.

Voltei a Vila Real com a alma mais leve e os sentidos reavivados. A música tem esse dom: o de nos devolver à essência. E a memória, quando bem cuidada, não é um peso, é um hino interior que nos recorda quem fomos e quem queremos continuar a ser.

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