Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2024
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Mário Frota
Mário Frota
Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Se não pediste e to dão, pagar não é consigo, não!

A propósito do couvert não solicitado, nos restaurantes e estabelecimentos similares, em Portugal

O que a observação permanente, de Norte a Sul do País, permite concluir é que a norma a que se reporta o “couvert” (a proibição de cobrança quando não solicitado) é autêntica letra morta.

Parece tratar-se de norma a que se não confere qualquer relevância.

Por ganância ou por ignorância?

A ignorância, neste caso, não excusa!

Até porque parece esbarrar num hábito execrável que os tempos sedimentaram: o de empontar-se aos clientes os acepipes ou aperitivos como algo que forçosamente precederia a refeição.

E, no entanto, a moldura sancionatória, tratando-se de empresas, pode variar segundo a natureza do ilícito (de leve a muito grave) entre 450 a 3 000€ e de 48 200 a 180 000€.

Por couvert se entende o conjunto de alimentos (acepipes, aperitivos), como tal identificados nos cardápios (ementas, menus ou listas de produtos), fornecidos antes da refeição, “a instâncias do cliente”.

A lei obriga a que tanto à entrada do estabelecimento de restauração ou de bebidas como no seu interior se disponibilize aos clientes as listas de preços, redigidas em língua portuguesa.

E, no artigo 135 do Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração, de 16 de Janeiro de 2015, se estabelece imperativamente que:

“Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.” 

E há ainda a exigência de expressa menção (naturalmente em caracteres legíveis) na lista de preços. Para que os consumidores o não ignorem. Para que tenham presente esse seu direito. E para coibir a tentação de cobrança de banda do empresário, sempre que não solicitado.

Tal direito é o corolário natural do princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor, constitucionalmente consagrado e, em geral, desenvolvido no n.º 4 do artigo 9.º da LDC – Lei de Defesa do Consumidor:

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

O facto é que tal menção, de Norte a Sul, um pouco por toda a parte, não consta nem das listas de preços dos restaurantes, nem o procedimento normal, quando não solicitado, é o da oferta, como manda a lei.

Ou os acepipes/aperitivos estão já na mesa quando os comensais se sentam ou servem-nos quando se instalam. Uma simples frase faria toda a diferença: “É servido?” E se a interrogação se fizesse, a resposta permitiria encarar a cobrança como lícita ou ilícita, cumprindo-se em absoluto a lei.

Aliás, a Lei dos Contratos à Distância de 14 de Fevereiro de 2014, em um capítulo sobre “práticas proibidas” em geral, prescreve, no seu artigo 28, sob a epígrafe “fornecimento de bens não solicitados”:

1 – É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor,…

 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.

As autoridades, ante o défice de efectivos com que se defrontam, não poderão dar conta do recado.

Mas há um papel pedagógico que cabe às associações empresariais e nem sempre se cumpre.

Elementar seria que a lei se observasse, neste como em outros segmentos do mercado.

Porque a dúvida subsiste: não se cumpre por ganância ou por ignorância?

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