A situação adquire um tom caricato quando estou a ser atendido por uma técnica de farmácia, extremamente simpática e atenciosa, e ouço uma voz masculina de fundo, num tom mais elevado, dizendo “a culpa é dos políticos”.
A afirmação em si, que é bastante banal, ambígua e generalista, não me despertou a atenção à primeira, não fosse a repetição da mesma, de forma cada vez mais audível, obrigando-me a desviar o olhar e perceber que tais palavras foram proferidas por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP). Ora, este cumprimento peculiar ao responsável da farmácia, vem na sequência de uma perigosa “zaragata” entre grupos de etnia cigana, que teve lugar na Alameda de Grasse, em Vila Real, e que foi noticiada pela comunicação social local e nacional.
A minha interpretação deste episódio leva-me a exteriorizar que o agente da PSP culpabiliza, de uma forma direta, o “poder político” pelo confronto entre os referidos grupos de etnia cigana. Estando subjacente a lógica de que o Estado atribui a esta comunidade mais apoios do que eles merecem, alimentando, assim, um comportamento fora da lei.
É importante desmistificar a ideia que é frequentemente utilizada, de uma forma populista, para acicatar os instintos mais profundos na perseguição das minorias que, num universo de 250 mil beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), apenas 3% a 6% podem ser considerados de etnia cigana. Acresce ainda, a forma exemplar e equitativa com que o Estado trata todos os cidadãos na atribuição dos apoios sociais, estando estes enquadrados nos requisitos necessários para tal. Afinal quantos cidadãos abusam dos apoios sociais? Quantos deles acumulam esse apoio com trabalhos na economia paralela? A subversão do sistema não é apanágio da comunidade cigana, em particular, é entre outras, também de uma cultura de descrédito e de desrespeito para com o Estado que tarda em desaparecer.
O perigoso episódio, que ocorreu em Vila Real, não abona nada a favor da representação e do retrato social que temos acerca da comunidade cigana. No entanto, a segregação e a erradicação não são a resposta e não resolvem um problema que tem séculos. A inclusão gradual com diretivas anti-discriminatórias nas áreas do emprego, educação, saúde e proteção social terão como desafio complexo a resposta às idiossincrasias da comunidade cigana.
“A força da luta contra o racismo da sociedade civil em cada país determina o tipo de apoio que as comunidades ciganas recebem.”
Mas a “culpa é dos políticos”!