Após uma guerra colonial que manifestamente correu mal, o país estava numa decadência histórica e não aguentava muito mais a repressão. Em Vila Real, os ventos de mudança também chegaram, sobretudo através da rádio e pelas imagens da televisão, que poucos tinham na altura.
No dia 25 de Abril de 1974, Maria da Luz tinha 40 anos e trabalhava nos Correios. Naquele dia entrou no serviço às 21h00 e saiu às 8h00. Estava com uma colega e com a chefe.
“Estávamos no 1º andar do edifício e tínhamos dois militares nas escadas, porque ninguém podia entrar na nossa sala. Naquela noite, a chefe veio fazer-nos companhia e o trabalho foi feito com a mesma dedicação”, conta, adiantando que souberam do que se estava a passar através das colegas de Lisboa. “Elas estavam nervosas e contaram-nos que havia muita gente na rua. Estavam preocupadas com o que poderia acontecer. Nós, cá, sabíamos o que se passava, mas estava tudo tranquilo, a única diferença é que tínhamos os tropas na porta”.
Recorda com saudade aqueles tempos, em que havia “mais respeito” entre as pessoas. No entanto, diz que a revolução deveria ter tido um efeito mais positivo do que teve. “Se na altura, as coisas não estavam bem, agora estão piores. Há quase 50 anos que se fez a revolução e não se percebe como há tanta gente a dormir na rua. Estou muito triste, desanimada, porque não se faz um 25 de Abril para as coisas estarem como estão. Faltam casas e está tudo mais caro. Para quem ganha pouco, fica muito difícil suportar. Eu já ganhei melhor do que ganho hoje, mas, felizmente, nunca soube o que é passar mal”.
Maria da Luz diz que sempre gostou do Salazar. “Era uma pessoa muito séria, respeitadora. Gostava da maneira como ele falava com as pessoas, apesar de aparecer poucas vezes na televisão. Posso ter sido influenciada na escola, onde aprendemos desde logo a respeitar o Oliveira Salazar, mas era um homem com sentido de Estado”.

“ERA UM HORROR”
Fernanda Ferreira, 81 anos, nasceu em Mondim de Basto, mas veio ainda criança estudar para um colégio interno, porque as alternativas eram poucas. “Fui muito prejudicada no ensino. Tive de ir estudar para um colégio, porque na minha terra não havia nada, a alternativa era Vila Real, Porto ou Guimarães. Vim para Vila Real e detestei, porque não gosto de internatos. Foi duro, porque não ia a casa ao fim de semana, não havia meios de transporte, nem as facilidades que hoje há”, revela, adiantando que se lembra bem do 25 de Abril de 74. “Tinha ido a uma missa de sétimo dia e vinha de carro quando ouvi a notícia na rádio. Sabíamos que havia uma revolução em Lisboa, mas não tive a perceção do que ia mudar e tinha de esperar para ver”.
Antes do 25 de Abril, as mulheres “eram muito desvalorizadas, não tinham voz e não contavam para nada. Eram apenas mães e donas de casa”, lamenta, lembrando ainda a mentalidade “retrógrada” das pessoas. “As mulheres estavam um bocado aniquiladas e tinham de pedir autorização ao marido para viajar, por exemplo. Era um horror”.
Depois havia os “padres que nas missas tinham um género de homilias em que parecia que tudo era pecado, tudo parecia mal. Não havia liberdade de escolha, nem de pensamento”.
Fernanda recorda que gerou uma “grande expectativa” e considera que hoje “estamos muito melhor, a diferença é incomparável. Não tenho nenhumas saudades, até porque fui muito prejudicada”. E as mulheres “estão muito melhor, mas ainda falta ultrapassar alguns obstáculos”. Mesmo assim, “têm o caminho aberto, só têm de o seguir”.
“GANHAVA MUITO DINHEIRO”
João Matos, de 80 anos, natural de Constantim, estava na Beira (Moçambique), para onde partiu em 1964 para a guerra do Ultramar. Após ter saído da Tropa, pediu para passar à disponibilidade, que foi aceite. Estabeleceu-se como empresário e rapidamente o negócio expandiu. “Comecei como empregado de um bar/restaurante. Mas, pouco depois, fiquei com o espaço, que o meu patrão (de Chaves) quis vender. Em pouco tempo consegui abrir mais dois novos estabelecimentos comerciais, mas também trabalhei muito, entrava às 6h00 e saía à uma ou duas da manhã, mas compensava, porque se ganhava muito dinheiro”.
“Lembro-me que nesse dia estava na casa do meu compadre, à beira mar, a almoçar. Ouvimos as notícias na rádio Pax da Beira, que relatavam que estava a acontecer um golpe de Estado em Portugal, eu nem sabia muito bem o que era isso”, recorda, acrescentando que os amigos lhe diziam a brincar: “vocês têm solução para isso, vão a nado para Portugal”, já que estava tudo fechado em Moçambique (aeroporto encerrado e viagens canceladas).
“E nós questionávamos: afinal o que é o 25 de Abril? E começamos a estar mais atentos às notícias que chegavam da metrópole (Portugal). Só se falava que havia uma revolução e que os militares estavam na rua para tomar o poder”.
João Matos pretendia continuar a viver na Beira, onde tinha a mulher e dois filhos, mas também tinham chegado entretanto outros familiares de Vila Real. “Estava bem, com o meu negócio e já tinha seis empregados, o bar/café estava num ponto fulcral perto do cais, onde desembarcava muita gente, era um negócio muito bom. Sempre que alguém vinha para Portugal, eu enviava dinheiro em bonecos de peluche. Tirávamos o enchimento e colocávamos lá o dinheiro para passar no aeroporto. Enviei bastante para uma farmácia de Vila Real, onde trabalhava uma familiar da minha mulher”.
No 25 de Abril de 74 já era empresário estabelecido, no entanto, começou a pairar a instabilidade no país com muitas manifestações e teve de partir, mas ainda teve tempo para vender e trazer algumas coisas para Portugal. “Vendi um espaço comercial e aluguei os outros dois, porque a minha ideia era vir a Portugal e depois regressar. Acabei por deixar lá muitas coisas, pois os moçambicanos tomaram conta delas. Mesmo assim, consegui enviar mobílias, louças, eletrodomésticos para o Porto de avião”.
Entretanto, chegou Vila Real, uma cidade que estava “praticamente igual” à que deixou em 1964, quando teve de ir para o Ultramar. “Estava a morar com a minha sogra em Mateus e vim com o intuito de comprar uma casa, mas não havia casas para comprar. Mais tarde lá arranjei uma na cidade e abri um café, no antigo salão dos Bombeiros. Após as obras e um grande investimento, abri o Piquenique, na rua Direita, e tive mais alguns espaços comerciais ligados à hotelaria, jogos e vestuário”.
“HAVIA MAIS RESPEITO”
Para este vila-realense, o 25 de Abril mudou-lhe a vida, porque teve de sair de Moçambique, mas considera que a vida era mais simples. “Antes tinha liberdade e continuei a ter. Havia trabalho, tinha dinheiro e nunca me chateei, porque também nunca me meti na política”.
Na altura, as pessoas sentiam uma “grande expectativa” de que a democracia ia melhorar muito o país, mas os políticos depois não cumprem o que prometem e as pessoas começam a desacreditar e não vão votar. Eu sempre fui, porque é um dever cívico”.
Apesar das muitas mudanças que se operaram no país, nestes 49 anos que passam sobre a revolução, “considero que antigamente eram tempos melhores, porque hoje temos muita coisa, mas não se dá valor a nada. E também havia mais respeito entre as pessoas”.
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