Estávamos em 1988. Preparava-se o campeonato nacional de futebol da temporada 1988-89 para a qual estavam apuradas vinte equipas: F. C. Porto, Benfica, Belenenses, Sporting, Boavista, Sporting de Espinho, Desportivo de Chaves, Vitória de Setúbal, Marítimo do Funchal, Penafiel, Sporting de Braga, Farense, Portimonense, Vitória de Guimarães, Leixões, Académico de Viseu, Beira Mar, Estrela da Amadora, Nacional da Madeira e F. C. Famalicão.
De repente, estalou a “bomba”. Em grandes parangonas, “A Bola” publicava na sua primeira página: “Suborno assumido pelo presidente do Macedo de Cavaleiros”.
O que acontecera?
Invasão de campo em Macedo de Cavaleiros
No campeonato anterior, o Famalicão ascendera à 1ª Divisão, após ter vencido o campeonato nacional secundário, era Rudolfo Reis o treinador da equipa famalicense. Desse modo, o clube preparou-se para a nova competição, mantendo Rudolfo como técnico e reunindo um leque considerável de bons jogadores, como Marcos Gomes, José Nuno Azevedo, Chico Oliveira, Duarte, Zé Nando, Landu, Lula, William, Chico Nelo e Kanu, que deixaram algum rasto no futebol português.
Mas houve um “qui pro quo”: no jogo da 33ª jornada da época anterior, o Famalicão defrontara o Macedo de Cavaleiros, em Trás-os-Montes. O jogo não chegou ao fim, ficou-se pelo intervalo. Houve invasão de campo por parte dos adeptos macedenses e o árbitro ficou sem hipóteses de prosseguir o encontro. A Federação, estudados os factos, decretou a vitória administrativa do Famalicão, dessa forma reforçando-o no primeiro lugar que não abandonaria até final, em detrimento do Fafe. E foi a Associação Desportiva de Fafe que “levantou a lebre”. Segundo Laurentino Dias, presidente da Assembleia Municipal fafense, deputado na Assembleia da República pelo Partido Socialista e presidente da Assembleia – Geral da A. D. Fafe (viria a ser secretário de estado da Juventude e Desportos no governo de José Sócrates), “a invasão de campo foi orquestrada pelos presidentes de ambos os clubes, a troco de dinheiro”.
Dessa situação que garantira a vitória na secretaria ao Famalicão apareceu um recurso considerado válido pelo Conselho de Justiça e o Conselho de Disciplina remeteu os famalicenses para a divisão terciária, fazendo subir o Fafe ao primeiro escalão, na primeira vez que este emblema nele participou. O Fafe teve como treinador José Rachão, reforçando-se à última da hora com o guarda-redes Quim, Alberto Bastos Lopes, Padinha (todos ex-Benfica) e Tó Mané (ex- Macedo).
“Esta é uma decisão saudável que prestigia o futebol”. (Silva Resende, presidente da FPF na altura)
Manobra política? Vingança pessoal?
“Estamos inocentes! Isto é política!” – gritaram adeptos famalicenses numa manifestação de rua, depois de ter sido conhecida a sentença que ditou a despromoção. Mas havia um óbice para as razões apontadas em Vila Nova de Famalicão: o presidente do Macedo confessou o suborno.
“A situação financeira do clube levou-me ao desespero e aceitei a proposta do presidente do Famalicão” (António Veiga, presidente do Macedo de Cavaleiros in “A Bola” de 13 de agosto de 1988).
Mais tarde, o presidente do Macedo, apertado por um processo judicial, viria desdizer-se: “Não houve nada, foi tudo uma vingança pessoal contra o presidente do Famalicão”
Mas os dados estavam lançados e a situação assim ficou, sendo que também o título do Famalicão (conquistado num torneio de apuramento de campeão com o Académico de Viseu e o Estrela da Amadora) lhe foi retirado.
Em 1990-91, o Famalicão voltou à primeira Liga, com o campeonato a ter agora vinte equipas. E o título perdido na secretaria acabou por ser devolvido ao clube.
Coisas diferentes, “hoje”, em relação ao que aconteceu “ontem”
O Famalicão foi fundado em 1931. Alcançou sucesso com um húngaro fugido da 2ª Guerra Mundial e do nazismo. Chamava-se Janos Szabo, foi jogador e treinador do “Fama”, em 1941. Este homem (que marcou presença assinalável no futebol português, tendo orientado outras equipas de gabarito) puxou o Famalicão para cima, mas o clube desmoronou-se com a saída dele. Só em 1978, com Mário Imbelloni, voltou a dar cartas. A partir de então, outros treinadores de nomeada serviram o clube (Josip Skoblar, Abel Braga, o professor Neca, Daniel Ramos) e pôde então adquirir maior sustentabilidade.
Evidência no futebol feminino
Em 2019, o F. C. Famalicão aderiu ao futebol feminino e criou uma equipa que se iniciou no setor de formação do clube. Em 2022, um episódio triste de assédio sexual do seu treinador a algumas atletas não molestou irremediavelmente o clube que, no entanto, fez com que ele fosse dispensado. A formação feminina ganhou outras asas, salientando-se valores como Daniela Silva, Carolina Rocha ou a brasileira Gabi Morais que contribuíram com as suas colegas para a conquista da Taça de Portugal, em 2023, frente ao Benfica, no Estádio do Jamor. Passadas parecem estar as nuvens negras que esvoaçaram sobre este clube.
Quanto ao Macedo de Cavaleiros, não voltou a meter-se em altas “cavalarias”, mantendo-se, de há alguns anos a esta parte, no campeonato distrital da associação de futebol brigantina, onde Bragança e Mirandela têm sido os habituais frequentadores dos campeonatos nacionais entretanto reformulados, com a criação do Campeonato de Portugal e do da Divisão 3.
SAD liderada por israelita
Nos últimos cinco anos, mercê da constituição de uma Sociedade Anónima Desportiva/ SAD, em 2018, liderada pela “Quantum Pacific” do milionário israelita Idahin Ofer, o F. C. Famalicão teve uma subida considerável na formação e afirmação de atletas (entre eles os atuais Anderson Silva, Toni Martinez, Fábio Cardoso, Manuel Ugarte e Pedro Gonçalves, atingindo este ano um considerável sucesso no seu desempenho. Com a formação sénior de futebol instalada na I Liga (à qual regressou em 2015), o emblema azul-e-branco venceu o Campeonato Nacional de Futebol de “Sub-19” (juniores) e a Taça de Portugal de Futebol Feminino (seniores). Em seniores masculinos, o F. C. Famalicão obteve o 8º lugar, em 2022-23.
Sinal do desenvolvimento desportivo da região famalicense, esta vai candidatar-se a “Cidade Europeia do Desporto” em 2025, apresentando como um dos principais trunfos as 201 associações do concelho que promovem 78 modalidades, envolvendo mais de 50 mil praticantes regulares. A candidatura já foi apresentada pelo município famalicense.
CURIOSIDADES
No ano em que tudo isto aconteceu (1988-89), a representação transmontana nos campeonatos nacionais era enorme. O Desportivo de Chaves (treinado por Raul Águas) estava no “Nacional” da 1ª Divisão. No segundo escalão encontrava-se o Grupo Desportivo de Bragança (treinado por Ilídio Santos) e, na 3ª Divisão Nacional, marcavam presença Macedo de Cavaleiros – 13º lugar final, Vinhais (18º), Valpaços (9º), Mirandês (17º), Vila Pouca (8º) – na Série A -, Vila Real (3º), Régua (10º) e Torre de Moncorvo (15º), na Série B. Cada série era constituída por 18 equipas.
Fernando Couto que viria a ser internacional e que cumpriu uma notável carreira internacional, era um dos jogadores que estariam no plantel famalicense, na época 1988 – 89, por empréstimo do F. C. Porto. Por tudo o que aconteceu nesta situação, nunca chegou a vestir oficialmente a camisola famalicense.
O atual presidente da direção do Benfica, o internacional Rui Costa, foi também emprestado pelas águias (era ainda júnior) ao Fafe. Ao contrário de Fernando Couto, Rui Costa alinhou toda a época seguinte ao imbróglio na equipa principal fafense.
OS PERSONAGENS
António Veiga, presidente do Macedo de Cavaleiros.
João Freitas, presidente do Fafe.
António Costa, presidente do Famalicão.
Alcides Sardão, treinador do Macedo de Cavaleiros.
António Valença, treinador do Fafe.
Rudolfo Reis, treinador do Famalicão.
DATAS IMPORTANTES DO MÊS DE JUNHO
1128 Batalha de São Mamede, dia 1 de Portugal;
1494 Tratado de Tordesilhas;
1950 Portugal vence Mundial de Hóquei em Patins pela 4ª vez consecutiva;
1958 Estado Novo atribui a Américo Tomás a vitória nas eleições presidenciais;
1963 Lançado primeiro disco dos “Rolling Stones”;
1976 Ramalho Eanes eleito Presidente da República.
1985 Portugal adere à CEE;
1991 Aprovado Acordo Ortográfico pela Assembleia da República;
1994 Bloqueio da ponte 25 de Abril contra aumento das portagens;
2009 Morte de Michael Jackson;
2010 Morte de José Saramago;
2016 Oficializado o “Brexit” da Grã-Bretanha;
2017 64 mortos no incêndio de Pedrógão.