Valerá a pena apostar num trabalho sério quando depois dos resultados ficamos estupefactos, com ar estupidificado perante a enormidade de aberrações e injustiças? Dá impressão que o importante nas nossas sociedades é iludir, ludibriar, corromper, mentir, assobiar para o ar, fingir, atender o telemóvel quando não se quer falar com ninguém.
As sociedades estão como estão e os seus valores são o que são. A hipocrisia reina em cada esquina num mundo de conspurcação badalhoca que nos coloca num baixo patamar dos seres vivos. Este ano, e mais uma vez, houve um festival onde tantas canções se apresentaram barulhentas e agressivas. A tatuagem da canção vencedora ganhou, canção escrita e interpretada por Loreen. Aliás, as previsões apontavam todas para a sua vitória. Aqui, não terá havido injustiça.
Nas prestações globais, não importou o valor das músicas como arte inspiradora, mas sim o aparato visual, a força do virtual, as extravagâncias em todos os segmentos, a pirotecnia gratuita, o vislumbre acutilante das mulheres, e homens, a mostrarem indecorosamente o corpo em movimentos esgalhados de lascívia cozinhados em sexualidade quase explícita.
O que nos espera o futuro? Que músicas iremos ter em futuros festivais? Onde está a harmonia dos instrumentos acústicos, como verdade sonora? O que se ouviu em abundância foram cacofonias agressivas que atordoaram os céus e os ares, ferindo e corroendo os melhores pensamentos, a luz que ilumina os espíritos. E o rugir furioso de algumas canções subiu em espiral apocalítica arrastando o público, ludibriando-o, embriagando-o, levando-o quase ao êxtase da loucura. Onde está a limpidez transbordante das belas melodias que vitaminam a luz da razão?
Decididamente os festivais são um logro, uma mentira, uma hipocrisia que conspurca as mentes e aliena os espíritos, uma sobrecarga de luzes e ruídos.
Estaremos a caminhar para a loucura estapafúrdica da demência coletiva?
Mimicat, a nossa cantora, foi a segunda canção concorrendo com o tema “Ai coração”. Ela e bailarinos apresentaram-se vestidos de vermelho, com garra e espírito de cabaré.
A canção é uma mistura burlesca de música portuguesa, jazz, música espanhola e latino-americana que teve uma prestação a merecer bem melhor pontuação, pela alegria contagiosa, pela coreografia alucinante, pela voz segura e afinada, pela simpatia, mas sobretudo pela paixão inebriante em representar Portugal. E ela puxou pelo público numa mescla de danças bem desenhadas que arrebataram a plateia e os milhões de portugueses espalhados pelo mundo.