É exaustivo talvez porque é cíclico. É tudo a correr e nunca soube porque corro. Sempre que cedo, algo afiado ou de sentido aguçado pelas costas me empurra e acaba sempre por me pôr de novo a correr. Corro num plano branco que me rodeia e pela razão de me circundar sinto que ando às voltas, irregulares na melhor das hipóteses. Tem de ser por isso que ninguém chega ao fim enjoado. Que me confinem mais ou me deem mais espaço vejo barreiras. O mundo tem a forma de um prato. Basta de ouvir que é uma esfera. Radicais que conseguem dizê-lo argumentam que não fazemos somente parte do mundo como também o somos e nos parecemos a ele. Onde é que isto já se viu, agora é-se esfera. Tenho de ser esfera porque “somos todos esferinhas” dizem eles, aplicam o diminutivo pelo carinho e afeto que ganharam à teoria. Isto sucederia com paralelepípedos? Não desminto que pelo menos alguns são esferas, mas também não minto ao ponto de dizer que já me olhei com olhos de ver.
Passo por muito e guardo pouco. A distinção deixa de ser clara como se pudesse aglutinar por quem passo em vários momentos com coisas diferentes que me dizem, num grupo, num só momento com o mesmo para me dizer. Pelo grupo passo e a cada passo ouço risos, gargalhadas, choros, festejos, indignações e tudo rapidamente se desfaz do nítido que já foi. Nunca alguém foi atrás de mim fazendo o favor de reproduzir cada coisa que o fez rir ou chorar para me fazer sentir de que faz parte de mim, de que levo isso sempre comigo. Nunca nada fica em nada. Nunca nada fica em alguma coisa, então nada fica em nada.
Canso-me de correr, canso-me, canso-me e entristece-me porque parece que fui feito para isto. Caso houvesse uma, duas, três línguas, deitava-as todas para fora. Se nada disto está como queria nem semelhante às sensações que tenho como certas como me devo sentir ao correr?
Ao mesmo tempo, bem. Não se cria empatia que é algo que me faria fingir não sentir a impressão que costumo sentir nas costas, como se algo pudesse ganhar uma importância capaz de interromper a correria desenfreada. Empatia com tudo? Está bem, boa sorte. Correndo ao menos foge-se a tudo. Exceto…
Paro por um tempo e dá-me a impressão de que por mais tempo do que o normal. Delicadamente algo me levanta e aí sossego em total amparo. Sou meigamente erguido como quem me lava e me veste. É então que eu ouço “Obrigado, depois de a azeitona estar cansada”. E não era pouco.
«Diário de uma azeitona, contado por quem viu»