Émile Zola, consagrado escritor francês, endereça ao seu Presidente da República uma carta intitulada “J’accuse”, onde expõe de uma forma arrojada e corajosa não só uma nova verdade sobre a condenação de Deyfrus, mas também a corrupção no seio parlamentar, a fragilidade das elites militares e a podridão de uma sociedade francesa em decadência. E este terá sido o momento em que França despertou, realmente, para o caso de Alfred Dreyfus, oficial do exército francês, condenado à prisão perpétua por alegadamente ter comunicado informações confidenciais à embaixada da Alemanha, em Paris. Este caso, célebre pelo seu simbolismo, que mais tarde fraturou a comunidade francesa, constituiu um processo complexo e com várias fases, no qual foi possível desmontar e combater uma visão e uma narrativa quase unânimes de um sentimento nacional anti-semita que consistia no completo encobrimento dos defeitos de um povo e na ampla condenação dos que a ele não pertencem, o apoio a palavras de ordem tais como “morte aos judeus” ou a “França para o franceses”, seria a fórmula mágica de pacificação social. A façanha de Zola torna-se extraordinária, pois repõe alguns factos, retrata a fragilidade da acusação e coloca os nomes dos envolvidos num embuste onde o Estado-Maior terá forjado as provas, fulcrais, para acusar e estigmatizar um judeu como traidor.
A pertinência deste caso assume uma importância especial, porque é neste ambiente que se dá a sua politização, a essência do caso é quase perdida para um posicionamento ideológico polarizado e radical entre os amigos do exército e os seus inimigos. A morte de Odair Moniz parece ter despertado um sentimento análogo na sociedade portuguesa. A discussão desta infelicidade e tragédia, que nos é apresentada com várias verdades, tem sido comentada com os olhos radicais de protagonistas que pretendem galgar a insatisfação e os receios das pessoas para um proveito político que é inaceitável, que pretende dividir a nossa comunidade, entre os amigos da polícia e os seus inimigos, mas que infeliz e historicamente se torna habitual, principalmente à direita…
Em França, foi possível corrigir algumas das praxis erráticas que subsistiram subterrâneas durante muito tempo. Que esta tragédia sirva para Portugal ajustar as suas e não perder nunca de vista a essência deste caso e as suas consequências.
Como dizia Clemenceau, “quando se infringem os direitos de um infringem-se os direitos de todos!”