Passamos o tempo a correr de um lado para o outro, a prestar cuidados aos doentes, a fazer registos no computador, a atender o telefone, a falar com familiares, a responder a pedidos dos médicos, a orientar visitas que parecem estar a fazer um tour pelo hospital, a atender o telefone (…) a ajustar planos de cuidados e alterações de terapêuticas de última hora, a organizar processos, a colher análises, fazer recados, a mudar canais de TV… e quando finalmente sobra algum tempo, aproveitamos para ir à casa de banho, comer alguma coisa e ir a correr atender o telefone uma e outra vez. É assim o dia a dia.
O serviço é uma dança frenética de entra e sai: utentes que chegam com histórias complexas e famílias que exigem respostas imediatas (de preferência antes de fazerem a pergunta). No meio disto tudo, temos a equipa, um complexo emaranhado de personalidades e egos que juntos, formam uma espécie de reality show onde todos têm uma opinião, mas ninguém quer ser o responsável quando algo corre fora do script. É como uma família disfuncional, mas com mais pinta.
Os turnos são uma roleta russa: manhãs, tardes, noites, fins de semana, feriados… porque, as doenças não escolhem horários convenientes. A pressão é constante. Há sempre alguém a observar, a comentar, a questionar. Normas, protocolos, padrões de excelência, uma complexa checklist interminável que nos obriga a passar tanto tempo a carregar teclas e a programar cuidados que nos questionamos se somos enfermeiros ou informáticos.
Contudo, no meio deste caos, há algo que nos mantém aqui. Talvez sejam os momentos em que conseguimos fazer a diferença na vida de alguém, ou talvez saber que fazemos parte de uma equipa que até pode não ser perfeita (e não é), mas é a nossa. Somos malucos mas não estamos sozinhos no hospício.
A equipa é como uma família não planeada. Personalidades fortes, estilos de trabalho que por vezes colidem e opiniões que nem sempre coincidem, mas é no meio do caos, das pressões e dos turnos intermináveis que há uma ligação que se cria, quase sem darmos por isso. Aprendemos a confiar uns nos outros, a cobrir as falhas, a partilhar as vitórias e a apoiar-nos nos momentos difíceis. Há discussões, mas também há risos que aliviam a tensão e pequenos gestos que fazem a diferença. No final do dia, percebemos que, apesar de todas as diferenças, somos humanos.
Fazer parte deste ecossistema é viver num equilíbrio precário entre o caos e a compaixão, entre a burocracia e o cuidado, entre o cansaço e a satisfação de saber que, mesmo no meio da confusão, estamos a fazer a nossa parte. E, no fundo, é isso que nos mantém firmes, que nos ajuda ter a certeza de que mesmo nos dias mais difíceis, estamos onde devemos estar, e que transforma o caos no propósito que dá sentido às nossas vidas e à nossa escolha de estar aqui.