Atendem chamadas fantasmas, agarram-se ao telemóvel como cão filado num osso sem carne. Fingem não ver ninguém, procurando algo que não sabem o que é, insatisfeitas com o mundo, plasmam-se em coisas banais. Não discorrem sobre algo que lhes possa contrariar o ego impante da vaidade. Vazias de ideias, as pessoas andam macambúzias, escondidas e perfiladas em caminhos sem horizontes e destituídas de sonhos a precisarem deles como âncora de salvação.
Nos cafés já não se conversa, não se olha o outro como alguém que merece respeito e que espera pela alegria de um sorriso. E as televisões, aparelhos ruins, dominam as salas. E nelas, os tagarelas, os aniquiladores do bom senso e da razão, os comentadores da discórdia, apregoam as tragédias e falam como se só eles fossem os senhores da verdade, pagam-lhes fortunas para dizerem mentiras. E há os intelectuais do futebol a discutirem, tempo sem fim, se o golo foi bem ou mal anulado. E as imagens crescem à medida do olhar pacóvio de quem as vê.
Que tempos, estes em que só se fala do frio verdugo que congela as entranhas e nada se diz sobre o valor da amizade e da necessidade de um abraço caloroso ou de um beijo afagado na onda do amor.
De vez em quando passam nas ruas corredores esbaforidos, caminhantes bufando e gemendo indiferentes ao cansaço de quem passa, que passa porque vai trabalhar ou, ou vai às compras com o peso insustentável da conta tirana que vai pagar.
Parece já não importar o sentido crítico sobre o estado do país e do mundo porque a esperança, essa também ela estará a diluir-se e a mortificar os nossos pensamentos e alegrias. E o planeta está comprometido na ganância insane dos homens.
Que tempos, estes onde já não se canta, não se dança, não se contam histórias nem se ouvem tocadores de viola, nem realejos, nem músicos a tocar nas ruas ou nas janelas.
Na aldeia onde nasci, isso acontecia e todo o mundo se entrelaçava no espírito coletivo da amizade e da solidariedade. Depois, chegou a televisão que nos enredou e nos oprimiu no sentimento da liberdade, nos manipulou, enterrando-nos no mundo obscuro da alienação.
Que tempos, estes que nos inibem de cumprimentar um “amigo” porque não sabemos dos seus propósitos, nem sequer dos seus medos em nos tocar porque os vírus andam à solta, camuflados em qualquer lugar, no espaço ou no corpo humano. E nós não sabemos como reagir, nem sequer o caminho que devemos seguir. Já dificilmente sabemos identificar o outro como sendo amigo ou inimigo…
Que tempos! Que tempos estes… Precisamos de uma nova luz do mundo, uma estrela que nos guie para a salvação do mundo.