E mais perplexo fico quando vejo nascer estes extremismos num tempo em que se proclamou que iríamos entrar numa era de tolerância, inclusão, diálogo, aceitação das diferenças, respeito por maiorias e minorias, saudável convivência de ideias e propostas, compromissos e entendimentos pelo bem de todos e progresso do mundo. Ainda se está a conseguir manter algum equilíbrio e moderação, que é onde devemos saber estar e viver, mas todos já nos sentimos, em algum momento, arrastados pelo furacão do extremismo, ou engolidos por algum radicalismo. Até na alimentação estamos a enveredar pelo fundamentalismo, pondo-se em causa tudo o que se convencionou comer e beber até hoje.
Na verdade, só tem espalhado a confusão. Nas redes sociais, não faltam especialistas da alimentação a dizer tudo e o seu contrário, mandando-se abater certos alimentos. A sociedade sempre teve antagonismos e visões diferentes, mas soube sempre encontrar a temperança, criando uma sã convivência na diversidade e na conflitualidade. Agora, estamos a sentir atração pelo extremo e pelo radical, com vontade de aniquilar e destruir quem é diferente de nós. E isto é mau e é perigoso.
Como é que chegamos aqui? Por que é que as pessoas têm necessidade de se agarrar a um extremo? É verdade que vivemos tempos emocionais, que facilmente nos empurram para uma trincheira, mas desconfio de outras causas: hoje reina a desconfiança sobre o discurso social e sobre as instituições basilares da sociedade. Até da ciência se desconfia. Reina a ideia de que andamos a ser manipulados e enganados por toda a gente. Depois, após a falência das grandes ideologias, não surgiu um grande projeto que unisse as pessoas, os grandes anseios e aspirações humanas continuam por concretizar. Virámo-nos para o individualismo e o consumismo, mas estes têm-nos arrastado para o tédio, a escravidão, a desesperança, o abandono, a insegurança, a falta de esperança, perda de identidade, vazio interior e existencial, desnorte moral e afetivo, desvinculação tóxica dos outros e da vida coletiva, vidas instáveis e destabilizadas.
Temos cultivado o terreno fértil que favorece o extremismo e suas ideologias e ramificações, porque este passa a sensação que recupera a estabilidade de outros tempos, dá confiança, segurança, esperança, identidade, sentido, liberdade, certeza, objetivos certos para a vida.