“É necessária uma aliança do espírito”, envolvendo crentes e não crentes, para se opor à “catástrofe antropológica” do fim da política autêntica, a única que pode libertar a sociedade da tecnocracia.” E reforçou: “O nosso modo de entender a ‘criação contínua’ deve ser reformulado, sabendo que não é a tecnocracia que nos salvará”. No último século, deu-se um acontecimento antropológico fraturante: a “disjunção entre o homem técnico e o homem político. Agora existe apenas o homem técnico, o homem económico, e o homem político está numa crise radical”. É preciso recuperar o homo politicus face ao paradigma tecnocrático que hoje é dominante, nas palavras de Cacciari, faz falta “um governo político, de todos esses processos colossais de transformação que são infinitamente mais do que algo meramente técnico e que também podem libertar energias para uma ‘eutopia’, um lugar bom, mas que pode levar às ‘distopias’ mais dramáticas em todos os campos em que a inteligência humana se está a expressar”. Em tempos, numa entrevista ao Público, Cacciari não deixava de culpar alguma ação política: “Hoje a política já não sabe indicar um fim. Então deixamos governar a potência técnico-económica. E daí advém a situação trágica, de crise.”
A tecnocracia tem as suas virtualidades e não se nega a sua importância, mas também tem os seus defeitos e efeitos nefastos. o Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, faz uma apreciação crítica do paradigma tecnocrático atual, lembrando alguns dados fundamentais: os meios e instrumentos técnicos estão nas mãos de poucos; o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência; carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si; os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados grupos de poder. Na linha do filósofo italiano, é por isso necessária uma revolução cultural, “um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade”, porque “o progresso da ciência e da técnica não equivale ao progresso da humanidade e da história”.