Sábado, 14 de Dezembro de 2024
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“A vida antes da revolução era uma miséria”

Portugal viveu em ditadura durante 48 anos. Tudo mudou na manhã de 25 de Abril de 1974, quando um golpe militar pôs fim ao Estado Novo e trouxe consigo a democracia. Passados 50 anos deste dia que mudou a vida dos portugueses, a VTM foi para a rua perceber como era a vida antes da revolução e como a população da região reagiu à boa nova

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Assinalam-se esta quinta-feira 50 anos do 25 de Abril de 1974, o dia que mudou Portugal, que passou a viver em democracia. Todos os anos, por ocasião desta data, a pergunta que se impõe é “Onde estava no 25 de Abril?”.

Joaquim Rodrigues tem 89 anos. Natural de Peso da Régua, e barbeiro desde os 10, “na noite anterior estava em casa a ouvir a Rádio Renascença e achei estranho passarem a Grândola Vila Morena e o Depois do Adeus”, conta, até porque a canção de Zeca Afonso era proibida pelo regime de Salazar. Contudo, viria a tornar-se o hino oficial da revolução.
“No dia seguinte vim trabalhar e foi quando se soube o que se estava a passar. As pessoas foram para a rua festejar”, recorda, lembrando que “antes do 25 de Abril vivia-se na miséria”.

“Não se podia falar de nada e não havia alegria. Depois, veio a liberdade e a vida ficou melhor”, afirma, reforçando que “o Salazar era um ditador, não podíamos fazer nada. Se falássemos contra o sistema íamos presos”. Recorda, inclusive, um amigo seu que pertencia à PIDE que “me chegou a ameaçar, a dizer que me denunciava. Tínhamos que ter muito cuidado com o que dizíamos porque em todo o lado havia informadores”.

Em Vila Real, o clima foi, também, de festa, ainda que um pouco a medo. Maria da Graça tem 62 anos e naquele dia estava a trabalhar. “Quando cheguei ao serviço o patrão disse-nos para voltarmos para casa. Soube depois, pela rádio, o que se tinha passado, até porque só os cafés é que tinham televisão”. “Não veio muita gente para a rua celebrar, porque havia receio. Só mais tarde é que se festejou a sério”, conta, acrescentando que, naquele dia, “Vila Real ficou deserta. Estava tudo dentro de casa a ouvir na rádio o que se passava”.

Sobre as conquistas da revolução, destaca “o direito ao voto” e admite que “nunca falhei. Acho que os jovens têm de ter consciência da importância desta conquista” e ainda a implementação do Serviço Nacional de Saúde. Já do que ficou para trás, recorda que “havia fiscalização para quem entrasse descalço na cidade e as pessoas eram multadas por isso”. No caso das mulheres, “se engravidassem antes do casamento eram mal vistas e discriminadas”.

Já o marido, de 72 anos, que à época estava na Guerra do Ultramar, “só soube da revolução três dias depois, porque estava numa operação”. A notícia “deixou-me feliz porque era sinal que ia regressar a casa”. “A vida antes da revolução era uma miséria e depois daquele dia mudou tudo. Portugal passou de uma opressão para uma liberdade total”, conta, lamentando, contudo, que atualmente “os jovens não têm noção daquilo que nós passámos e têm tudo de mão beijada. Deviam perguntar aos avós o que passaram naquela época”.

Barbearias eram local de confidências

“REGIME MUITO PESADO E OPRESSOR”

Em Chaves, nem todos tiveram conhecimento do golpe militar no próprio dia. Isabel Viçoso, professora no liceu, soube quando chegou à escola. “Eu e a grande maioria dos professores aguardávamos, com ansiedade, o bom resultado dessa operação para que este país, tão fechado, sem evolução consistente nos mais variados serviços sociais e limitado nas suas liberdades, se abrisse a um mundo em evolução”, conta.

Depois de “ter esgotado todas as notícias conhecidas” e de as aulas terem sido canceladas voltou para casa, onde acompanhou “bem de perto o decurso dos acontecimentos, através da rádio e da televisão”. “Nos dias seguintes, toda a cidade de Chaves regozijou, passeando e juntando-se em magotes”, recorda, destacando que “a grande maioria dos flavienses vibrou com a revolução, ergueram-se muitos cravos, fizeram-se assembleias de homenagem aos militares e de informação sobre as novas políticas, culminando na manifestação do 1º de Maio”.

Lembra também que as direções das estruturas do Estado Novo foram sendo substituídas. “No Liceu Nacional de Chaves foram demitidos o Reitor, o Vice-Reitor e os Diretores de Ciclo. Em sua substituição foi eleita a primeira Comissão de Gestão”, presidida por Marília Matos e para a qual a professora de matemática foi eleita como vice-presidente.
A nível das principais mudanças, além das políticas e da liberdade conquistada, salienta as melhorias na saúde. “Tive uma colega que estava grávida, teve problemas, e como não foi assistida a tempo, acabou por morrer. Isso marcou-me muito”, afirma a antiga professora, agora proprietária de uma loja de antiguidades.

No caso de Agripino Jorge, na altura com 25 anos e bancário na cidade flaviense, ouviu falar da revolução no mesmo dia, em casa. “Ligou-me um familiar a dizer que tinha havido um levantamento em Lisboa. Aqui, em Chaves, não se passou nada nesse dia, só no dia seguinte é que começou a coisa a mexer”, com manifestações de apoio dos populares, com a ação do Movimento das Forças Armadas e também do Partido Comunista Português. “As pessoas foram para a rua e festejaram, havia uma certa euforia. Houve, nos dias seguintes, uma romaria ao cemitério e também ao quartel”, de protesto contra o comandante. Recorda-se ainda que nos dias seguintes à revolução os bancos estiveram fechados devido à instabilidade de toda a situação. Viu a revolução “com bons olhos”, já que “trouxe liberdade, que já é tudo”. Pessoalmente, não sentia restrições no dia a dia, mas reconhece que “tínhamos um regime muito pesado e opressor”, e Chaves “como era uma região de fronteira tinha aqui a PIDE permanentemente que controlava tudo e toda a gente”.

Do concelho de Chaves, António Anes, com 20 anos em 1974, estava em Lisboa na tropa a preparar-se para ir para o Ultramar. “Depois já não cheguei a ir”. Estava no Batalhão de Cavalaria 7, que foi a última unidade a render-se nesse dia. “Tínhamos as chaimites. Duas foram para o movimento e duas ficaram no quartel”, recorda, e “teve de ir lá o Salgueiro Maia resolver a questão”. A luta em África motivava os militares a derrubarem o regime, explica. “Nós tínhamos medo de ir para a guerra, porque podíamos voltar ou não. Da situação política sabíamos pouco aqui, só quando fui para as Caldas é que me comecei a aperceber de algumas coisas”, refere António. Agora diz que “a malta nova nem sabe o que era isso, andávamos a estudar e andava a polícia atrás de nós”, mas também entende que passámos “do 8 para o 80”, saindo de um “regime totalitário muito depressa”.

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