De eleição em eleição, as evidências que suportam esta ideia vão perdendo densidade, vão ficando mais anémicas, translúcidas até. De tal forma que, do outro lado do espelho, uma nova realidade vai ganhando nitidez e verosimilhança. Começa a materializar-se uma singularidade no espaço-tempo histórico, um ponto de inflexão na direção histórica e política do continente europeu, com a possível consumação da chegada da extrema-direita ao poder. Com Le Pen em França e uma coligação CDU-Afd na Alemanha, a juntar-se a Orbán, Meloni e restante gangue já no poder ou perto de o conquistar. O ramalhete ficará completo com eleição de Trump nos Estados Unidos.
De quem é a culpa? De todos nós, mas, sobretudo, da direita tradicional, tanto a conservadora como a liberal. Dos ideólogos da TINA (“There Is No Alternative”, em português “Não há alternativa”) que fizeram esperar e desesperar os povos europeus com a sua política de terror económico, chamada austeridade expansionista, seguida do seu imobilismo e indiferença perante o desespero dos cidadãos. Depois, após todos os seus pecados, estarão mortinhos por se aliar à extrema-direita, como o senhor Éric Ciotti já quer fazer em França. Se isto não é sinal da quebra do bloco central, não sei o que então será.
O que se pode fazer para impedir este retrocesso civilizacional? Este caminho para uma democracia de “d” pequeno, feita de gente que admira Putin e abomina o direito à diferença? A resposta só pode ser mais Democracia. Mas, como sempre, está cá esta a direita para travar. Só assim se explica que a regionalização tenha sido retirada da agenda política. Uma decisão injustificável, por parte da AD e do Presidente da República. Há anos que estudos da OCDE têm demonstrado uma clara associação entre o desenvolvimento social e a descentralização. Os estados europeus mais desenvolvidos são estados muito mais descentralizados que o nosso. Esta postura por parte da direita portuguesa revela má-fé e falta de vontade e visão política para alterar o rumo das coisas. Estou convicto que a resistência à adoção de medidas que aumentem ainda mais o poder dos cidadãos na tomada de decisão política tem contribuído, em múltiplas instâncias, para o desespero dos cidadãos para com os políticos e para o sucesso da demagogia de extrema-direita em Portugal.
Só uma agenda feita de novas políticas, que tentem lidar com as assimetrias culturais, socioeconómicas e geográficas do país, onde se inclui claramente a regionalização, e que corporizem a sua atrasadíssima coesão económica, social e territorial, poderá continuar o desenvolvimento de Portugal de uma maneira justa e equitativa. Tudo o resto será ceder terreno à extrema-direita. E quando já não houver mais espaço para conquistar, lá virão eles a pedir coligações para se manterem no poder. Os restantes, terão de enfiar um saco na cabeça!