Podemos depois discutir se, em tal cenário, esse será ou não o governo mais conservador que já tivemos desde o 25 de Abril. Mas a julgar pelo apoio estratosférico à extrema-direita, inédito nestes últimos 50 anos, é certamente difícil de contestar que o regresso da direita ao poder não se consubstancie no governo mais reacionário. Se um governo conservador procura preservar o estado e as instituições como estão, será razoável assumir que, depois destes oito anos de governação à esquerda, esta nova aliança de direita não vai querer conservar nada, mas regressar zelosamente ao passado. E regressar ao passado é a definição de reacionário. Quão longínquo no tempo será esse recuo, logo veremos.
Nos dias que correm, muitos portugueses com idade “suficiente” nutrem um saudosismo pelo passado, enquanto muitos jovens o romantizam sem terem vivido nele. É lamentável, mas é a realidade. O regime democrático do pós-25 de Abril parece desgastado e tem colado na testa o rótulo de corrupto (como se o antigo regime fosse honesto!). As sucessivas crises económicas têm destruído a nossa esperança num futuro mais próspero e as guerras e a pandemia têm estruturado sentimentos de perigo e de insegurança. Este é o clima ideal para incentivar a ânsia pela “segurança” do passado, em detrimento das incertezas de um futuro imprevisível. Como é obvio, o passado não foi nada seguro. Mas em assuntos de memória, como os cientistas poderão explicar, a questão não é de factualidade histórica, mas de perceção. E na nossa lembrança, perceção é realidade.
Esta vontade de regressar ao passado vai dar asneira. Primeiro, porque é romântica e não substantiva, baseada no sentimento e não na razão. É por isso que o prometido aumento das pensões (hélas, promessas aos que mais saudosistas se podem sentir!), por mais irrealizáveis que sejam, são bem-vindas. Porque mesmo que inviáveis, demostram a intenção correta, o sentimento certo.
Em segundo lugar, porque a concretizar-se, os reacionários tentarão delapidar os direitos, liberdades e garantias que o progresso democrático nos trouxe. Retrocessos nos direitos das mulheres, como no combate à violência doméstica ou até, quem sabe, na interrupção voluntária da gravidez, retrocessos nos direitos das minorias, sejam étnicas ou religiosas, em nome de um sonho etnonacionalista maligno, e retrocessos na social democracia, em nome de um liberalismo económico de estado mínimo e privatização máxima, que favorece quem tem muito, por exemplo quando tiver de tratar da sua saúde.
Mas não desesperem, ainda há solução. No dia 10 de Março não fiquem em casa ou andem de passeio, vão votar contra o regresso ao passado. Porque para dar um passo em frente não é preciso dar dez passos atrás.