Sábado, 14 de Dezembro de 2024
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Paulo Reis Mourão
Paulo Reis Mourão
Economista e Professor Universitário na Universidade do Minho. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Desigualdade no tratamento, desigualdade na dignidade

Nas últimas semanas, tive oportunidade de palestrar como convidado em vários momentos académicos e universitários ao longo do país que celebravam os 50 anos do 25 de Abril de 1974.

Falou-se em muitos deles das diferenças na Economia, na Sociedade, nos indicadores de Saúde Pública e Privada, na Educação, no Investimento, ou na Abertura ao Exterior.

Também se falou de um tema que era, até 1990, muito focado pelos diversos partidos e agora quase ninguém o refere – as desigualdades sócio-económicas. As razões para este desinteresse a nível internacional são várias e poderei expô-las neste espaço num momento alternativo. Hoje pretendo chamar a atenção para outro padrão de desigualdade que me foi apontado pela dezena de pessoas que me tinham dito que iam votar ou que tinham votado em partidos apontados à Extrema Direita em Portugal, no último 10 de março, como a razão da direção do seu voto. Estes eleitores, dos 18 aos 82 anos, na generalidade não me falaram que votaram porque estavam fartos de corrupção, porque uns ganhavam mais do que outros, ou porque se sentiam mais inseguros. Também não me disseram que já não podiam com as comunidades imigrantes ou que consideravam os temas ‘woke’ do espaço mediático como excessivos.

Então porquê estes eleitores, alguns tradicionalmente votantes do PS ou do PSD, decidiram mudar o seu voto em favor de forças desconhecidas há 7 ou 8 anos?

A resposta transversal foi clara – fizeram-no porque sentem uma profunda desigualdade. “Desigualdade na riqueza ou no rendimento?” ainda eu ia esboçando. Não, corrigiram-me. Desigualdade de tratamento pelos políticos, responderam-me. Na minha maiêutica, ia tentando amaciar a conversa – bem, o problema podia ser seu e daquele dia ou daquela hora… Diziam-me que não – uns eram sempre bem atendidos, jantavam sempre com os políticos, eram sempre cumprimentados pelos políticos. Os outros – os tais votantes – nunca eram atendidos como gente nos gabinetes de atendimento ao cidadão ou ao munícipe.

Eu saí da primeira confissão como quando alguém nos diz que entrou num café e julgou que se riam dele. Pensámos – bem, foi uma crise de sensibilidade ou um momento de ‘mimalhice’, de quase obsessão neurótica. O problema é que os outros nove entraram no mesmo café e confessaram que ficaram com a ideia de que se riam deles também. Aí, a neurose individual ou passa a ser coletiva ou então o café tem mesmo um ambiente especial.

Portanto, uma razão profunda para esta mudança recente do eleitorado nacional, e raramente apontada nos debates, pode prender-se com esta questão – o “político” português, seja ele o decisor numa freguesia ou seja um ministro, afastou-se de muitos dos concidadãos de tal forma que, ao privilegiar alguns, tem dado azo a que muitos se sintam defraudados de dignidade e de respeito. No fundo, que se sintam defraudados dos seus direitos fundamentais.

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