O Congresso de Jornalistas, que decorre em Lisboa, teve hoje vários painéis sobre financiamento numa altura em que é muito discutida a crise do modelo de negócio – face à queda das receitas de publicidade (que passou sobretudo para as grandes plataformas) e da venda de jornais – e há graves problemas no grupo Global Media (dono de JN, DN e TSF, entre outros). Trabalhadores deste grupo continuam com ordenados em atraso e há ameaça de despedimento até 200 pessoas.
Pelo Jornal de Notícias, Inês Cardoso (diretora demissionária) disse que frequentemente os gestores “passam para os diretores a responsabilidade de encontrar fontes de financiamento” e que “não é justo nem adequado que as respostas para problemas de gestão sejam passadas para as direções editorais”.
Ainda assim, defendeu apoios à contratação de jornalistas, uma medida defendida por vários diretores, sobretudo para jovens jornalistas, mas também apoios mais específicos aos correspondentes, considerando que é essencial quando tanto se fala em desertos mediáticos no país.
A jornalista defendeu ainda ações do Governo para defender os jornais do uso de notícias pelas grandes plataformas tecnológicas.
Inês Cardoso recordou ainda que o Jornal de Notícias dá lucro (sustentado em 50% na distribuição de jornais e 50% em publicidade), mas que nem isso evitou que o JN tenha chegado a ordenados em atraso e ameaças de despedimentos.
Sobre os apoios diretos do Estado a publicações jornalísticas, tanto o diretor da SIC, Ricardo Costa, como o diretor da TVI, Nuno Santos, disseram não ser contra esses apoios se forem bem feitos, transversais, criticando o modo como foram feitos na crise da covid-19 (usando a publicidade institucional).
Quanto à extensão da consignação do IRS (anualmente o contribuinte pode atribuir 0,5% deste imposto a uma instituição) a órgãos de informação, Ricardo Costa mostrou-se contra, considerando que daí não advirá financiamento substantivo e que o jornalismo não deve sequer competir com entidades como associações de apoio a pessoas doentes.
O diretor da Rádio Renascença, Pedro Leal, admitiu a consignação de IRS, mas desde que seja transversal e que haja escrutínio sobre esse financiamento. Leal considerou, ainda, que, “além de crise de financiamento, há também outra crise, a crise editorial”, com os órgãos “distantes das audiências”.
Ainda nos debates foi falada a criação do cheque-jornal, em que o Estado atribuiria aos cidadãos dinheiro para gastarem em órgãos de informação, como comprar jornais ou fazer assinaturas.
Da SIC, Ricardo Costa disse, ainda, que sendo verdade que já passou a era em que o jornalismo foi sustentado pela publicidade, já a “ideia de que se deve abdicar da publicidade é suicídio coletivo”.
Sobre a questão da transparência e da propriedade dos órgãos jornalísticos, evidenciada pelo caso da Global Media (detida pelo fundo estrangeiro World Opportunity Fund), Ricardo Costa disse que já vem de longe (recordou Álvaro Sobrinho dono do SOL, o caso da Ongoing e problemas na Global Media deixados por Joaquim Oliveira) e considerou ser necessário mecanismos que garantam estes princípios.
Do grupo RTP, o diretor da RTP, António José Teixeira, e o diretor da RDP, Mário Galego, criticaram o subfinanciamento do Estado ao serviço público audiovisual pela falta de atualização da Contribuição Audiovisual (a taxa que financia este serviço público de radiodifusão e de televisão e que é paga pelos clientes de eletricidade).
Nas comunicações livres, uma comunicação – assinada por 17 jornalistas dos designados órgãos jornalísticos não tradicionais e apresentada por Sofia Craveiro (do Gerador) – criticou a “ausência de voz” destes meios dos painéis de debate sobre financiamento, considerando que o financiamento do jornalismo “não pode ser relegado à iniciativa privada” e defendeu a existência de um mecanismo tripartido (doações dos leitores, bolsas filantrópicas e financiamento público) e que o Estado crie modelos públicos de financiamento das redações que garanta a pluralidade informativa.