Já tinha aqui escrito sobre o aproximar de uma “singularidade” do tempo político ocidental e um ponto de inflexão na direção temporal, cada vez mais longe do “Fim da História” de Fukoyama. Este regresso de Trump à presidência nos EUA aparenta ser esse momento.
O partido Republicano tomou o poder em toda a linha. Este é o pior pesadelo do partido Democrata, que viu a sua campanha, baseada no argumento de que Trump é um perigo para a democracia, em larga medida ignorado por aquele eleitorado que tradicionalmente lhes era mais fiel: os trabalhadores sem cursos superiores, os imigrantes e as minorias raciais. O grande realinhamento aconteceu. O partido Democrata é agora o partido das elites, do status quo, que não consegue conciliar o neoliberalismo económico com a redistribuição da riqueza que preconiza. A crise inflacionista deitou fogo às promessas económicas dos Democratas, que uma ridícula enxurrada de sorrisos, um alto astral e uma colagem a celebridades hiperprivilegiadas, não conseguiu debelar.
Contudo, ao entrarmos nesta nova era temos de ter cuidado com as interpretações derrotistas. É verdade que estamos a abandonar um ocidente onde o liberalismo social era sempre considerado a vanguarda, e onde a garantia máxima das liberdades individuais era assumida como sendo idêntica ao progresso humano. Mas este aparente consenso nunca foi real, apenas é mantido pela unanimidade cosmopolita dos meios de informação dominantes, agora definitivamente dinamitados pela internet. E assim como não existe nenhum mecanismo de extirpação cultural para fazer os reacionários desaparecerem — também não existe nenhuma forma de expulsar os progressistas das sociedades do século XXI. A nova ordem ocidental é mais polarizada e vai continuar a sê-lo por muitos anos. E o futuro aí está, de novo, à mão de semear.
As forças que colocam os demagogos de direita no poder vão continuar por aí. O ódio às elites, à diferença e à imigração não vão desaparecer. Contudo os EUA não se vão automaticamente transformar na Hungria e a vitória de Trump não significa a vitória imediata dos ultramontanos na Europa, incluindo em Portugal. Os progressistas têm agora de se focar numa visão que dê perspetivas de futuro às pessoas, a todas as pessoas, e não apenas a algumas. A economia de prestação de serviços não chega. Temos de reindustrializar e deixar de exportar trabalho para outros locais do planeta, que só tem beneficiado os super-ricos. E redistribuir a riqueza de facto, e não de forma envergonhada e titubeante.
O porvir tem vários elementos de um passado que muitos queriam ver esquecido. Ao olhar em frente, conseguimos ver os seus contornos, mas não as suas feições definitivas. O que foi já era, mas o futuro está por definir.