Quarta-feira, 11 de Setembro de 2024
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Amor da mãe Filomena

O filho já há muito tinha saído da aldeia na demanda de uma vida com futuro.

O filho já há muito tinha saído da aldeia na demanda de uma vida com futuro. A América foi o destino da promissora liberdade. Há trinta anos que por lá vivia. Recebera agora uma carta de Portugal da irmã Guida para que viesse com urgência despedir-se da mãe Filomena.

Quando chegou a casa, viu as portas escancaradas para que os vizinhos pudessem circular livremente e visitar a enferma e o filho Geraldes ouviu ao longe as mós do moinho nítidas que lhe batiam nos ouvidos como canção triste que se assemelhava a um dobre a finados.

Ah! Há quanto tempo o Geraldes não via a mãe e ela ali estava deitada naquela tarde de abril… o filho chegou-se e viu-a tão emagrecida… à mãe doía-lhe o corpo dilacerado por um cancro, ou talvez lhe doesse mais a memória de todo o passado como limite de uma raiz que estava agora a secar. Já a noite vinha crescendo devagar e as árvores subiam alto no céu profundo agigantando as sombras das árvores.

– Então, minha mãe, estou aqui, sou o seu filho Geraldes.

E a mãe sentiu-se docemente ungida pela luz estampada no amor do filho.
Nela havia mais do que nunca um sinal de maternidade, um não querer morrer enquanto não sentisse bem de perto a presença do filho.

– Mãe Filomena, sou eu o Geraldes.

Geraldes olhou a mãe no rosto afogueado, os mesmos olhos negros, parados como um sonho já caduco e fitava o filho.

Havia ali no quarto uma espécie de bênção que os unia como um ventre. Até que à hora quente da lua cheia, fechada de um silêncio final, segura de que tudo se cumprira em perfeição, mãe Filomena sentiu a cabeça que lhe caía sobre os ombros dobrados e adormeceu. O filho ao vê-la tombada, gritou:” Mãe, mãe…” mas a sua voz não teve eco naquele coração parado… e repetiu o grito apegado ao estranho sorriso da mãe que ainda lhe iluminava os lábios.

Ao mesmo tempo o filho viu a imagem repetida de outros tempos, lembrando quando teve de escorropichar as tetas de todas as cabras da quinta para conseguir leite a pedido da mãe. Lembrava a progenitora numa dor inexplicável … soava-lhe nos ouvidos uma voz trágica, semelhante ao toque de uma rabeca envelhecida.

A tia Filomena tinha sido uma mulher de virtudes, no dizer de alguns, uma santa…” Que falta vai fazer ao seu “Home”, Zé da Chica.” Suspirou a tia Fagundes, enquanto colocava um crucifixo sobre o pequeno altar improvisado mesmo atrás da tia Filomena. “Esta vai direitinha para o céu”, dizia o padre João Teles, elevando os olhos em direção ao teto como que a indicar o caminho da Eternidade.

“Kyrie eleison, Christe eleison”, rezava o padre, aspergindo o corpo da tia Filomena. Ali, havia nas rezas uma espécie de sinfonia da noite, olhares penetrados no rosto santo da tia Filomena. Da vertigem de uma lágrima, Geraldes desabafou: “Mãe, estou aqui, sou eu, o seu filho Geraldes”.

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