A frase famosa é a mais concisa “Penso, logo existo.”, mas que omite um ponto importante: para Descartes, a dúvida é a maior evidência de que alguém pensa. Sobretudo sobre o que os sentidos nos dizem, porque amiúde nos enganam, e é então prudente questioná-los. O ceticismo é o ponto de partida para alcançar a verdade, ou a maior aproximação possível à verdade, através do método científico, baseando-nos em evidências e na sua reprodutibilidade. O ceticismo tem sido essencial para a humanidade e mais teria sido, em muitas circunstâncias, se tivesse existido mais vontade de duvidar. Imagine-se se, na Idade Média, se lembrassem de questionar a ideia de que os gatos eram realmente responsáveis pela peste negra. Talvez tivéssemos evitado eliminar os predadores naturais dos verdadeiros transmissores da doença, os ratos.
Felizmente existem, na grande e bela diversidade da sensibilidade humana, aqueles que de entre nós mais inclinados estão para duvidar da versão dominante e para nos ajudar a resistir à tentação do unanimismo e da uniformização. Porém, como em tudo na nossa existência, a salutar vontade de questionar pode também ser “adulterada” e aproveitada por gente com vontades e agendas perversas. Tomemos, como exemplo, o tema da imigração nos EUA. A versão do establishment diz que nas sociedades ocidentais, onde a natalidade é baixa, a imigração é necessária para o crescimento económico e a sustentabilidade dos sistemas de apoio social e que, para além disso, a multiculturalidade constitui uma das maiores forças motrizes dos EUA. No entanto, como todas as teses, apesar de contruída por evidências, tem também a sua antítese. E depois existe o candidato republicano a vice-presidente, JD Vance, que inacreditavelmente afirmou que estava disposto a “criar histórias”, defendendo a divulgação de rumores sobre animais de estimação a serem raptados e comidos por imigrantes haitianos, depois do ex-Presidente Trump repetir esta afirmação, em formato absurdista, no debate presidencial.
Estas alegações são uma mistura explosiva de notícias sobre crueldade contra animais e estereótipos racistas, que amiúde retratam estrangeiros como consumidores de animais de estimação. E foram ignobilmente desenhadas para se aproveitarem de duas propriedades do pensamento humano: por um lado a já mencionada dúvida sobre a realidade, e por outro o malfadado viés de confirmação, que nos leva a acreditar nas histórias que reforçam as nossas próprias convicções, em detrimento daquelas sobre as quais discordamos. E a verdade é que funciona, porque apesar de ridículas e inverosímeis, o candidato que profere estas e outras mentiras está em empate técnico nas eleições presidências, e não largamente em desvantagem.
Sempre vivemos rodeados de oportunistas sedentos de poder, prontos a explorar os nossos vícios de pensamento em benefício próprio. Não estará na hora de os expormos como os impostores que na realidade são?