Creio que deve ser ponderado se em vez de o voto ser um dever cívico não deverá ser um dever jurídico que apenas exclua da obrigatoriedade os maiores de 80 anos, os doentes e outros por justificadas razões.
Quem reiteradamente não participa na vida democrática e nos atos eleitorais deve ter a coerência de não exigir, não criticar e abster-se de pensar que a democracia é uma realidade conquistada de forma definitiva
Está hoje instalada uma praxis negacionista, de ódio e justicialista que vai fluindo como o Letes, rio mitológio de sombras que corre pelas entranhas do inferno, através das redes sociais onde toda a gente tem opinião sem o adequado conhecimento.
Opinar sobre a vida coletiva e assuntos de Estado, sobre temáticas que não conhecemos, dossiês complexos a que não tivemos acesso deve merecer sensatez e estudo e a recolha de informação.
Por causa desta corrente de abstencionismo, o Reino Unido saiu da União Europeia e milhões de cidadãos tiveram e têm de suportar chefes de governo que, seguramente não queriam.
Outra ideia perigosa é a igualação pela negativa, ou seja, a ideia, de que os políticos são todos incompetentes, todos corruptos e ladrões, todos a mesma choldra. Não é assim. Não tomemos a nuvem por Juno porque a maioria dos políticos são pessoas conhecedoras, sensatas que abdicam do seu bem estar e da família em benefício do bem comum.
Num exercício de ficção política, o escritor francês Michel Houellbeck na sua obra Submissão, antecipou o que poderá constituir uma vitória das forças do partido da Irmandade Muçulmana depois de derrotar a Frente Nacional.
Depois de o escritor se afastar dos tumultos que decorriam na capital, quando regressou, França estava irreconhecível.
Vem isto a propósito da transferência da vida política para os reality shows, como se a seriedade e exigências que a maior das artes, a política, fosse compaginável com populismos bacocos a que dão corpo líderes autocráticos, cegos pelo poder e a escravização do povo.
Há, hoje, o reavivar de forças xenófobas, nacionalistas, racistas que violam o princípio da igualdade consagrado na nossa Constituição. É de pasmar quando verificamos que uma parte significativa das suas propostas seriam chumbadas pelo Tribunal Constitucional por violação das mais elementares regras da vida democrática.
Entendemos que a complexidade da sociedade atual, da era digital, da informatização da produção, da omnipresença das tecnologias da informação tenha excluído muitos cidadãos do acesso aos meios de produção e ao emprego.
O saber exige esforço, seja em que área for, a competência reclama empenhamento e o acesso aos melhores empregos, dedicação e demonstração de capacidade.
Temo que sejam os deserdados da globalização, os infoexcluídos, os que não deram um salto de formação por falta de empenhamento, condicionem o futuro das sociedades, porque o voto de um ignorante e o de um sábio valem o mesmo.