Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Festas e Romarias

Para as romarias, os romeiros começavam a sair pela madrugada a pé, a cavalo ou mesmo de burro. Pelos caminhos iam ranchos de gente e muita alegria no ar.

Já na romaria, aqui e ali ondulavam danças de roda, grupos sentados na relva ou em cima de algum penedo com o seu farnel que incluía invariavelmente cabaças de vários tamanhos atestadas de vinho.

As bandas davam um lindo colorido sonoro. Quando havia duas filarmónicas, aquela que fizesse os devotos chorar na procissão era a preferida e quase sempre a mais aplaudida no arraial.

Nos arraiais, o povo juntava-se para ver e admirar o gado ornamentado com fitas e flores. Ninguém queria perder nada da festa, nenhum episódio do arraial, um descante, um bailarico, a galvanizante homilia do padre, uma desordem ou uma rapsódia de banda…

À noite, as danças remoinhavam em muitos pontos do recinto com as bandas a darem o seu melhor. Às tantas da madrugada, já depois de muita bebida e atropelos endiabrados, as noites ficavam espessas e frias como túmulo e as bandas lá iam tocando, agora só para cumprir calendário… os sons saíam frios e sem brilho, e alguns pares adormeciam nas danças embaladoras e fracas. Durante o dia era indescritível a vozearia, o movimento do povo e o som de variadíssimos instrumentos, como pífaros, flautas, realejos, harmónios, gaitas de foles, berimbaus e inúmeros adufes à mistura com o canto alegre e frenético das pessoas.

O povo é como um formigueiro intenso. Velhas de preto com peles gretadas, rasgadas por verdadeiros sulcos e bocas enterradas, contemplavam-se na miragem dos santos.
Rara era a romaria em que não houvesse forte pancadaria. Valia muitas vezes as charangas no coreto que ao desafio lançavam torrenciais rapsódias pelas crateras metálicas dos trombones para amaciar a bravura azougada de alguns romeiros. Também os foguetes davam brandura aos ímpetos dos zaragateiros. As nuvens de poeira indicavam os lugares da dança. Já no final da festa, os romeiros não abandonavam o recinto sem se despedirem do Santo e este parecia corresponder com um sorriso nos lábios e com o desejo de os ver no ano seguinte. O raiar do dia era uma bênção, porque toda a terra repousava na frescura da manhã…

Segundo Giddens, muitas das nossas tradições populares não passam de produtos do último par de séculos. Tradição e costume têm condicionado a vida das pessoas durante parte da História da Humanidade. As tradições são pertença de grupos e comunidades. O futuro continuará a ser o encontro contínuo entre a imaginação e a memória, traduzido em atos do corpo e do espírito. O povo já quase não vai às romarias, porque a cultura popular está a desaparecer e com ela morrerá a alma do povo.

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