Domingo, 13 de Outubro de 2024
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Miguel Torga

A inauguração da casa-museu de Miguel Torga, no dia 17 deste mês, em S. Martinho de Anta, lembrou-me um pequeno trabalho que fiz com alguns colegas para a disciplina de literatura, nos felizes anos em que frequentei o Liceu Camilo Castelo Branco, como seminarista.

A docente de literatura lançou-nos o repto de irmos conhecer a terra de Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, poeta, escritor e médico, e de recolhermos alguns testemunhos sobre a sua personalidade e atividade, já ele estava muito fragilizado em Coimbra. Vimos a casa que agora foi inaugurada, que servia para passar férias e fins de semana, o negrilho, e conversámos com algumas pessoas mais velhas da aldeia de S. Martinho de Anta.

Tinha uma relação saudável com a aldeia e seus habitantes, mas também se percebia que era uma pessoa meditativa, introspetiva, passava muito tempo na sua privacidade, para descansar e se dedicar, possivelmente, ao labor intelectual. O testemunho que mais retenho na memória foi o do Senhor Padre Avelino, grande amigo de Miguel Torga e companheiro de caça, um desporto ou atividade de que Torga mais gostava. Dois episódios marcantes: num certo dia em que andavam à caça, sai uma perdiz mesmo nas barbas de Miguel Torga, fácil de apontar e de matar. Apesar da chamada de atenção do atónito Pe. Avelino, Torga não teve qualquer reação. Inquirido pelo padre porque teve tal comportamento, a resposta é surpreendente: “Acabei há pouco um poema que andava para acabar há algum tempo”. Perdiz sortuda!

Miguel Torga teve uma relação dura e difícil com Deus, com a fé e a religião, relação quase de amor/ódio, onde assomaram a rebeldia, a revolta, a oposição, a luta, o conflito, a provocação, o combate, o inconformismo, a negação, mas ao mesmo tempo também a necessidade. Diz num dos seus Diários: “Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de o negar, mas nunca a força de o esquecer”. O seu espírito reclamou sempre liberdade diante de instituições religiosas e de espartilhos de sistemas religiosos. Noutro Diário escreve: “O meu espírito, embora sedento de absoluto, como sempre o conheci, se recusa a encontrá-lo em qualquer prisão dogmática, e porfia em descobri-lo no descampado inquieto da liberdade crítica”. Contudo, apesar do muito desespero que o habitou, foi um escritor sempre voltado para a esperança. Certo dia, depois de uma contenda amena entre amigos sobre a morte, disse, ao entrar para o carro: “Ainda assim, acredito na ressurreição da carne”.

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