Quarta-feira, 14 de Maio de 2025
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João Ferreira
João Ferreira
Investigador, Professor do Ensino Superior

Portugal e a morte de um vendedor chamado América

Mesmo quando o Rei vai nu, ou sobretudo quando o Rei vai nu, um séquito de bajuladores persegue-o, a declarar que está tudo bem, ainda que a prometida vitória se tenha convertido numa derrota.

É a estrutura de humilhação que os monarcas e ditadores exigem dos seus partidários: a distorção da realidade, quanto mais delirante e ridícula, melhor. Esta barganha Faustiana é o teste do algodão para quem aspira à influência e os privilégios que só o Rei pode oferecer. E não se surpreendam quando a defesa do grande chefe aumentar na proporção direta da sua incompetência e desfaçatez. Para quem vende a sua alma não existe saída senão manter o Rei no poder a todo o custo. A alternativa é a proscrição ou, quem sabe, coisa pior.

Aquilo a que EUA não está habituado, mesmo quando o mundo entra em aguda crise financeira, é que os juros da sua dívida soberana aumentem, como aconteceu na semana passada. Na verdade, a tradição é precisamente o inverso. Assim que as bolsas começam a cair, quem gere as estratosféricas somas de dinheiro negociado em bolsa refugia-se da volatilidade do jogo em sítios seguros, como a dívida americana. Que isso não tenha acontecido desta última vez significa que o dinheiro perdeu confiança nos EUA, e isso parecia até aqui o mais difícil de fazer. Afinal o grande visionário da Art of the Deal, ou da arte do negócio, Donald Trump, não é mais que um Charles Foster Kane invertido, para quem a coisa mais fácil de fazer com muito dinheiro é … perdê-lo. Sim, o Rei vai nu, e os bajuladores seguem-no a abanar bandeirinhas na televisão.

Aqui no nosso burgo, assim como na restante esfera ocidental, a ganância e a miséria ética da classe política, até agora dominante, vai alimentando o fogo da indignação do povo. Uns enriquecem com os seus “negócios” enquanto outros empobrecem sem razão aparente.

Afinal de contas, se o mundo nunca foi tão rico, como é que eu fiquei excluído? Thomas Piketty anda a avisar para a economia das desigualdades há duas décadas mas ainda não foi realmente ouvido. Uma economia onde os produtos internos brutos estão sempre a crescer, mas onde quem vive dos rendimentos do trabalho só consegue empobrecer, numa colossal redistribuição do dinheiro, pasme-se, dos mais pobres para os mais ricos. Este desespero face a tamanha injustiça é a razão principal do voto dos desfavorecidos nos colossalmente, irremediavelmente, universalmente incompetentes – para dizer o mínimo.

Os membros do Congresso americano, de ambos os partidos, estão entre os melhores negociadores de bolsa do mundo, capazes de obter lucros dólar por dólar muito superiores aos de Warren Buffett, considerado um dos melhores investidores. Já aqui, em Portugal, temos o exemplo da Spinumviva, que não é mais do que um paradigma de como muitos políticos monetizam a sua influência deste lado do oceano. Mas a política, por estes dias, é um espelho arrasador. Só assim se explica que o presidente Trump tenha aparecido na sala oval a falar jocosamente sobre como os colaboradores ali presentes tinham ganho milhões de dólares com a queda das bolsas, à custa das perdas de aforradores e pensionistas.

Podemos continuar a viver nesta hipocrisia? Infelizmente, a esperança de que, apesar do espetáculo retórico e das ilusões que sustentam o poder, a verdade venha a emergir e a impulsionar uma exigência genuína de mudança, pode nunca se materializar.

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