Ainda a propósito da comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa (LP) cabe assinalar alguns aspetos de ordem pragmática e afetiva.
A LP enquanto espaço comum de comunicação, convergência histórica e de afeto deveria servir de base a formas de cooperação a nível do conhecimento que emana das universidades e dos centros de ciência para além de potenciar negócios e desenvolvimento entre os países da lusofonia.
Sabemos que nem sempre é assim e que, por vezes, há amuos e atitudes de costas voltadas entre países que deveriam cooperar de forma franca e aberta e outras, complexos pós-coloniais mal resolvidos.
O maior esteio da LP como já referimos, é a Literatura seja escrita ou oral e a memória que regista.
Desde as cantigas de amigo, passando pelo trabalho árduo dos cronistas, alguns deles embarcados no sonho das caravelas, a LP foi ganhando espaço e desenhando a sua singularidade lexical e fonética.
Obras matriciais como os Lusíadas de Camões e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto encorparam-na e desenharam a silhueta e a densidade singular do seu corpo.
Garret enobreceu-a no Teatro, Alexandre Herculano no romance histórico e no estudo da História; Camilo elevou-a ao paroxismo no romance, Antero de Quental nos sonetos filosóficos, Junqueiro na poesia e no protesto social.
Desde o Sermão da Sexagésima de António Vieira ao Conto Civilização de Eça de Queiroz, a LP cresceu, galgou continentes e atravessou mares levando o testemunho do nosso povo através dos navegadores.
Aquilino ampliou-a com os falares das gentes do campo, Pessoa aprofundou-a no pensamento: a minha Pátria é a minha Língua.
Redol, Manuel da Fonseca e tantos outros neo-realistas fizeram dela uma arma de denúncia em prol dos mais desfavorecidos.
Torga esculpiu-a convertendo-a numa espécie de portal gótico ou num altar barroco; Saramago elevou-a em nome de todos à conquista do Nobel.
Do outro lado do Atlântico, Jorge Amado deleitou-nos com a suavidade fonética do português do Brasil, Machado de Assis deu-lhe corpo e o meu amigo António Torres, uma espécie de Torga do Brasil mergulhou com ela nas raízes do seu povo.
Agustina deu-lhe dimensão criativa, Lobo Antunes desconstruiu-a.
A norte, os nossos irmãos galegos e a Academia Galega da Língua Portuguesa, que coopera culturalmente com a CPLP honram-na pela sua sonoridade e variedade lexical que nos une num abraço intemporal de fraternidade. Lembro o trabalho literário dos meus amigos Alfredo Ferreiro e Pedro Casteleiro, poetas, Xavier Alcalá Navarro, romancista e Carlos Quiroga, escritor e ensaísta. Toca-me o seu amor por Portugal.
E assim a LP ganhou o tamanho dos nossos sonhos e esperanças e dos continentes onde deixou as suas raízes. Nenhum escritor a desdenhou porque contém todas as palavras.