Sexta-feira, 29 de Março de 2024
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Paulo Reis Mourão
Paulo Reis Mourão
Economista e Professor Universitário na Universidade do Minho. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

Impactos velozes e furiosos

Antes do Saramago, o Nobel da Literatura poderia ter vindo logo nos inícios de 1960 para um Português – ou para Miguel Torga ou para Aquilino Ribeiro.

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Ambos de origens rurais, desafetos do Regime Salazarista, focados na ruralidade, inspirados no ciclo de crescimento demográfico da ruralidade observado entre 1930 e 1960. Adeptos de um e de outro deram uma imagem tão incipiente das obras de ambos que, na reta final, foram ultrapassados por um diplomata francês, ainda hoje um poeta Nobel anónimo (Saint-John Perse). Essa trica ficou conhecida como a “Guerra do Champanhe e dos Pirolitos”.

Também por estes dias semelhante guerra de acessórios se observou em torno do impacto das filmagens do Velocidade Furiosa entre Vila Real e Viseu. Originalmente, começaram a correr narrativas (quer em Vila Real, quer em Viseu) que existiriam estaleiros cinematográficos com milhares de trabalhadores, numa escala parecida com as produções bíblicas do Cecil B. de Mille. Outras narrativas (que pululam nas redes sociais em concurso de criatividade de ficção científica) associavam gravações que aproveitariam outros eventos (ditos mega-eventos) em ambos os distritos. Depois, surgiram arautos confirmando que na tasca ABC ou na pensão XYZ não havia quartos pois tudo estava lotado. A ficção narrativa – como a pornografia – geralmente faz mal quando o consumidor julga que o mundo real é o ficcionado. As narrativas do champanhe e dos pirolitos são divertidas de seguir, sobretudo quando os narradores precisam do crédito das mesmas. Mas como, nos bons monólogos do teatro, os melhores atores safam-se melhor com as peças do Gil Vicente ou do Dario Fo do que os piores representantes. Perante públicos mais infantis ou mais ensonados, também a representação não necessita de grande exigência.

É bom haver imagens da região num filme? É. Taiwan investe milhões no cinema rodado na ilha como chamariz publicitário há décadas. Gosto do Douro filmado? Sim, sobretudo o do Manoel de Oliveira, do Paulo Rocha ou do Sério Fernandes. Tenho um enorme prazer ainda em ‘revisitar’ locais que conheci nas minhas viagens ao exterior ao ver um filme (rodado lá) num canal da cabo. Portanto, o valor estético e cultural que coloco nessa experiência é alto e o mesmo acredito que aconteça para os meus conterrâneos. Alguém se interessou por algo que me diz alguma coisa – e isso leva-me a revalorizar o mesmo objeto.

Agora, as narrativas da ficção (seja ficção científica ou pornografia) fazem mal quando começam a bater no espírito de alguns. Cervantes falava do mesmo no Dom Quixote. Sobretudo fazem mal quando o dinheiro que tanto suor acarretou, de muitos que chegam ao final do dia sem tempo nem vontade para ver filmes, paga os milhões que a narrativa de uns e de outros empola na fatura final. Porque se quem compra diz que o jarrão vale mais do que o preço pedido, porque não há de o vendedor acompanhar a narrativa? Assim como assim, o Tejo desagua noutro dos locais da furiosa e veloz saga, em Almada. Boas férias!

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