Terça-feira, 15 de Julho de 2025
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Adérito Silveira
Adérito Silveira
Maestro do Coral da Cidade de Vila Real. Colunista n'A Voz de Trás-os-Montes

José Luís Penelas – Chaleco

Depois de uma longa caminhada de duas horas até Gache, os músicos, ainda cansados, observam os campos ressequidos, castigados pelo clima seco.

À tarde, no coreto, a Banda de Mateus dá início ao concerto com peças clássicas, como “Lenda do Beijo”, que, embora não totalmente compreendidas, enchem o largo de encanto.

Entre a plateia, há um casal pomposamente vestido que se exibe cantando um salero gracioso ao estilo flamenco, conquistando aplausos e sonoros “olés”. O músico, José Luís Penelas, conhecido por “Chaleco” convida a sua Zulmira para a dança, mas ela recusa dizendo que as pernas estão cansadas da longa caminhada.

Habituada aos maus humores momentâneos do marido, a mulher procura acalmá-lo com palavras doces: “Ó Zé, a coisa parece estar a aquecer.” E não é que aqueceu? Com a Rapsódia “Cantar, Rir e Bailar”, a multidão rende-se à música. Já no final, um ancião aproxima-se do Mestre Ilídio, toca-lhe nas calças e diz-lhe sorridente: “Com que então estavam a fingir que não sabiam tocar? Isto é que o povo gosta, o povo gosta de cantar, rir e bailar…”

Os pares entregam-se à dança com entusiasmo frenético. Joaquim Pinto, ao trompete, exibe uma mestria impressionante de toque, arrancando olhares de admiração dos presentes. “Ah, grande cornetim!” exclama alguém no meio da vasta multidão. O povo vibra com a festa, dançando em movimentos enérgicos que levantam nuvens de pó e espalham alegria pelo largo.

Os pares formam-se, galanteios são trocados, e sonhos ganham vida sob a proteção do santo padroeiro da terra. Uma donzela recatada recusa a dança com um galã vindo de Lisboa, mesmo ao som envolvente de “Pela Calçada da Serra”. A dança, mais do que um simples passatempo, é um ritual que une as pessoas após dias de árduo trabalho coletivo.

É o ponto alto das alegrias e das intimidades partilhadas, proporcionando momentos de felicidade, ainda que fugazes. Afinal, a vida é feita desses pequenos nadas.

Após o concerto, os músicos reúnem-se no largo para uma despedida especial. Em círculo, tocam a marcha popular “Bristol”, enquanto Joaquim Pinto, sempre criativo, desafia cada músico a improvisar no seu instrumento.

Num momento inesperado, aponta para Chaleco, que não hesita: pega no bombo e nos pratos, arrancando risadas com a sua interpretação entusiástica e uma cantilena de letra maliciosa levando algumas senhoritas a taparem até os ouvidos… A multidão aplaude e gargalha, e Chaleco, suado e sorridente, é levado em ombros até à taberna, onde todos os músicos são recebidos com bebida sem restrições.

Naquele ano de 1949, o sol desapareceu por detrás dos montes, deixando a aldeia num brilho nostálgico. Chaleco tornou-se uma figura inesquecível em Gache, lembrado pela sua audácia e bom humor e pela devoção a frei Vicente, fundador da Banda de Mateus.

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