Confrontados com esta imprevista e célere pandemia e seus efeitos devastadores, chovem apelos de todos os lados para que mudemos de vida. Quase sempre assim: se até agora voluntariamente adiámos mudanças que já percebemos há muito que são inevitáveis, a vida encarrega-se de nos fazer entrar nos eixos. De facto, seremos muito inconscientes e até profundamente irresponsáveis senão mudarmos o nosso estilo de vida. O que é que poderemos e deveremos mudar?
Nunca percebi esta obsessão moderna por viajar, com os altos custos ambientais que isso acarreta. Viagens atrás de viagens, trabalhar para ir não sei para onde, férias para aqui, férias para acolá. Uns nómadas turísticos e hedonistas sempre insatisfeitos. Parece, e acho que não parece, é mesmo verdade, que não somos felizes onde habitamos e vivemos. Dá a impressão de que a felicidade e o paraíso estão sempre longe de nós. Não estão ao nosso alcance onde vivemos a vida normal e pachorrenta, segundo dizem, de todos os dias. Temos de viajar para inolvidáveis édenes, onde tudo é maravilhoso e encantador. Enfim, pura ilusão e tontice, que nos saem caras e só ajudam a perpetuar o vazio que temos dentro de nós. Na verdade, e já o percebemos, não é preciso andar para aí feito barata tonta de viagem em viagem, para se ser feliz não é preciso tanta coisa. Depois desta pandemia, seria bom que nos reconciliássemos com a terra, lugar ou bairro onde vivemos, com as suas pessoas, com a nossa comunidade, com os seus verdadeiros problemas e necessidades, que, possivelmente, desconhecemos, e aprofundássemos as relações humanas com os que são nossos próximos. E não esqueçamos as consequências nefastas daquele modo de vida: não queremos ter filhos, expulsámos os idosos de nossa casa, promovemos estilos de vida irresponsáveis e descomprometidos, sem exigência moral e social.
A confiança cega no progresso e a locomotiva da industrialização massiva, sem uma gestão responsável do mundo e seus recursos, arrastaram-nos para níveis de poluição insustentáveis. Temos de nos reconciliar com a criação e os seus recursos, que não são inesgotáveis, adotando um modo de vida com menos ganância e menos rendimentos. O endeusamento do dinheiro e do bem-estar a todo o custo conduziram-nos a um materialismo desenfreado e um consumismo devorador e escravizante sem sentido. Mais do que nos virarmos para as coisas, chegou o tempo para cada um se virar mais para a sua interioridade e dar mais tempo à espiritualidade. É aí que somos felizes.