Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2024
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Ernesto Areias
Ernesto Areias
Advogado. Colunista de A Voz de Trás-os-Montes

Os dois turcos

Decorreu pouco mais de nove meses sobre o aparecimento dos primeiros casos de Covid em Portugal. O espaço que medeia entre a incredulidade de uns, a insensatez e o dolo eventual de outros para quem os grupos de risco são indiferentes e o equilíbrio dos mais sensatos é muito vasto.

 A sociedade, no seu todo, devido ao medo e à crise económica vai resvalando para uma depressão coletiva inevitável. A pressão aumenta sobre os serviços de saúde, designadamente sobre os hospitais. São cada vez mais as famílias enlutadas, aumentando ainda o número de profissionais de saúde sujeitos a exaustão física e emocional.

No meio da hecatombe, surgiu como corolário da cooperação de múltiplos serviços de investigação e de centenas de cientistas, a vacina BioNTech, entre outras alternativas fiáveis.Destaco o papel preponderante do nosso Instituto de biologia experimental, elogiado internacionalmente e de dois cientistas de origem turca, filhos de pais emigrados na Alemanha, o casal Ozlem Tureci e Ugur Sahin.

Na sua humildade, sem foguetório e a imprensa atrás para os afagar, o casal depois de ter confirmado os resultados dos testes, celebrou o feito na intimidade da sua casa com uma reconfortante chávena de chá turco. Dias depois, o Doutor Sahin arriscou dizer que a vacina pode representar o início do fim da era Covid-19.

A notícia de uma descoberta desta dimensão não vende, não interessa, não é relevante para os consumidores habituados, como os suínos, a rolarem-se na lama, no chiqueiro, no estrume em que converteram a sociedade com a conivência de alguma imprensa.
Logo em fevereiro de 2020 o Doutor Sahin apercebeu-se do potencial de propagação da Covid-19 deitando mãos à obra para a descoberta da vacina que veio a ser anunciada ao mundo.

Suscita-nos a humildade e a grandeza deste casal, o extraordinário papel que os emigrantes podem desempenhar nos países de acolhimento quando lhes são dadas oportunidades de acesso à escola e às universidades e centros de ciência.
Quantos ficam pelo caminho porque são desprezados, humilhados e perseguidos, sem oportunidades de mostrarem a sua capacidade e inteligência com danos irreparáveis para a humanidade.

Suscita-nos ainda a notícia, o contraste com as políticas anti-emigração em voga em alguns setores da sociedade de vários países; a incompetência e a ignorância que vai sendo propalada nas redes sociais que difundem o medo da vacina; as teorias absurdas da conspiração como se o mundo fosse uma coutada administrada por carta de foral de um rei imaginário.
As parangonas, as imagens repetidas até à exaustão de um qualquer desportista, de um golo que enche o olho e o imaginário sufocam o que verdadeiramente interessa à humanidade.

Para uma imprensa e consumidores doentes, a cobertura noticiosa que não esteja manchada de sangue e tragédia são irrelevantes, coisa que não beliscará os dois turcos Ozlem Tureci e Ugur Sahin, que não deixarão de pensar como Charles Peguy, o poeta da esperança: Se eu fosse Deus tinha pena dos homens.

Às vezes, o mundo parece um circo com o palco cheio de palhaços com modesto guião.

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