Sábado, 14 de Setembro de 2024
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João Ferreira
João Ferreira
Investigador, Professor do Ensino Superior

Porque é que os cientistas sabem tão pouco e porque é que isso é bom

O título pode parecer paradoxal, mas não é. A sociedade espera dos cientistas respostas para os complexos problemas do mundo, reflexo do sucesso do método científico e do seu contributo, sem precedentes, para o progresso humano.

As suas conquistas causaram, creio eu, uma mudança sísmica na nossa forma de pensar. A ciência ofereceu ao mundo uma forma de o entender que não está assente numa certa veneração do mistério do universo e numa aceitação abnegada do incompreensível, como inevitável. Confiamos agora que compreender é possível, que a compreensão nos traz grande esperança e que solucionar problemas, outrora considerados inacessíveis, é plausível. Devido a esta esperança existe também uma grande exigência e, amiúde, para meu pesar, uma grande desilusão para com os cientistas. Porque não se percebe o que dizem ou, pior ainda, porque quando se lhes pergunta alguma coisa, como por exemplo sobre o vírus da COVID-19, muitas vezes respondem, não sei!

Para nos entendermos, penso que é essencial compreender que a ciência é primeiro uma escola de pensamento, criada por pessoas extramente céticas e que por isso eram extremamente livres a pensar. Paradigmático desta atitude são, por exemplo, os paradoxos de Zenão. Zenão explica que se alguém tentar percorrer uma certa distância, mas só percorrer metade do caminho de cada vez, nunca alcançará o destino, porque terá sempre mais uma metade restante, o que implica um número infinito de passos. Já Aristóteles dizia que não existe tempo, porque o passado já deixou de existir, o futuro ainda não existe e o presente não é tempo, pois é inextenso e está sempre a transformar-se em passado. Não se trata aqui de reconhecer que estes paradoxos são desmontáveis (pese embora vos convide a tentar explicar porque não são verdadeiros), mas de reconhecer que esta liberdade de pensamento é uma vontade, histórica, de questionar a realidade de forma a mostrar que nada sabemos sobre ela. Claro que atualmente o conhecimento científico não se constrói a partir de axiomas ou postulados, mas sim das evidências e reprodutibilidade. Mas a base da ciência de agora, como da filosofia da antiguidade grega, é reconhecer que não sabemos, que somos ignorantes.

O saudoso Richard Feynman, um físico brilhante, chamou a isto, com alguma graça, a “satisfatória filosofia da ignorância”. Contudo Feynman também reconhece que o maior desafio da ciência moderna é precisamente explicar o seu significado. Por exemplo, quando dizemos que “O conteúdo de fósforo radioativo no cérebro do rato diminui para metade num período de duas semanas”, o que significa? Significa que os átomos no cérebro estão em constante substituição. E o que nos define, a nossa memória e consciência, são agora os átomos das batatas da semana passada! Os átomos entram no cérebro, dançam um bailado, e saem, seguidos por novos átomos que aprendem a dança dos anteriores. Isso é, de facto, o que somos. Outro exemplo é a famosa equação E=mc² (Energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado). Na prática, significa que uma pequena quantidade de matéria pode ser convertida numa imensa quantidade de energia, como acontece durante a fissão atómica. Para o bem e para o mal Feynman tinha razão: compreender a ciência é como tocar um instrumento, exige prática. Para continuar numa próxima oportunidade.

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