Quarta-feira, 4 de Dezembro de 2024
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Um massacre e a independência de Timor – Outro 11 de março, há 30 anos

Em 12 de novembro de 1991, tomávamos contacto com uma trágica situação vivida em Timor que ficou conhecida por “Massacre de Santa Cruz”. Sem que, aparentemente, houvesse razão para tal, as tropas indonésias irromperam pelo cemitério de Santa Cruz onde se desenrolava uma cerimónia religiosa. Disparando indiscriminadamente, deixaram o chão pejado de cadáveres enquanto outros timorenses procuraram e conseguiram fugir dali. Morreram 45 pessoas. O território tinha sido alvo de uma tentativa de anexação pela Indonésia, como hoje acontece na Ucrânia, pela Rússia. Como titulava o jornal “Público”, na sua primeira página, estava “Portugal de luto por Timor”. Muitos outros títulos deste jeito apareceram, durante vários dias, nas primeiras páginas dos jornais portugueses que então se publicavam, desde os diários ao semanário “Independente” que muito se salientaram na defesa dos timorenses

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No ano seguinte, os portugueses, através de uma campanha criada por jovens, levaram a efeito uma ação que muito irritou a Indonésia: a “Missão Paz em Timor”. Corria-se o perigo de uma guerra, sustentada pelos indonésios. Um barco (o “Lusitânia Expresso”) avançara da cidade australiana de Darwin, no dia 29 de fevereiro, com um simples objetivo: denunciar ao mundo o criminoso ato que tinha acontecido, atracando em Timor e colocando ramos e coroas de flores no cemitério onde tudo tinha acontecido, homenageando os que ali morreram e foram sepultados e apoiando os que ofereciam resistência aos desejos indonésios que tinham anexado o território timorense. O navio levava 87 elementos, entre eles o antigo presidente da República portuguesa António Ramalho Eanes.  

“ÁGUAS INDONÉSIAS, VÃO-SE EMBORA!”

Em 10 de março de 1992, o “Lusitânia Expresso” aproximou-se das águas territoriais de Timor Leste, mas foi surpreendido pela hostilidade do governo indonésio que as ocupava.

“Cumprindo as insistentes ameaças, a Indonésia fez guerra à “Missão Paz em Timor” ordenando, através de uma das suas fragatas, a paragem do “Lusitânia Expresso”, mal o navio entrou em águas territoriais de Dili – eram 22h05 horas em Portugal. Objetivo gorado o da ida ao cemitério de Santa Cruz (que ficou a escassas 10 milhas), mas a operação foi, indiscutivelmente, um êxito de mobilização mundial a favor do massacrado povo maubere”
(“Jornal de Notícias” de 11 de março de 1992)

Antes, já o presidente da República de então, Mário Soares, manifestara preocupação sobre a eventualidade de uma reação agressiva da Indonésia à missão do “Lusitânia Expresso”. Recordando advertências que havia feito aos jovens promotores da iniciativa – cuja coragem elogiou – Mário Soares dissera que “a Indonésia está numa posição de grande debilidade e os débeis são agressivos”.

FLORES SOLIDÁRIAS NAS ÁGUAS SOLITÁRIAS

Em texto de primeira página, na sua edição de 11 de março de 1992, o jornal “O Primeiro de Janeiro” que à data se publicava no Porto, referia que a paragem do barco da Missão não tinha sido uma derrota: 

“O Lusitânia Expresso deu ontem como cumprida a missão a que se havia proposto: despertar a consciência mundial para o drama de Timor Leste. A retirada lenta do Barco da Paz, com o território timorense à vista, o lançar as coroas de flores em memória das vítimas da opressão indonésia na solidão das águas em vez de serem colocadas, como a Missão pretendia, no cemitério de Dili, onde dezenas de pessoas foram massacradas, tudo isso deixou nos portugueses e mais certamente no povo maubere uma indisfarçável frustração. Talvez seja esse o sentir do próprio presidente da República, Mário Soares, ao não querer comentar o desfecho da jornada. De concreto, ficou o testemunho da rudeza indonésia que, uma vez mais, se mostrou insensível a argumentos expressos em flores. Ficou a esperança de que, após tanta expectativa, os guerrilheiros da resistência tivessem podido avistar, por momentos, do alto das montanhas da sua ilha, o navio que a generosidade da juventude moveu”.

Entretanto, alguns factos fizeram também história neste caso.

O governador de Timor-Leste, nomeado pelas autoridades de Jacarta, Mário Carrascalão que desenvolvia ações de duplicidade e de cumplicidade com o regime indonésio de Suharto, desapareceu. Os contactos com essa personagem tornaram-se impossíveis. Também as comunicações telefónicas internacionais com Timor (ainda não havia telemóveis) foram boicotadas.

Nessa altura, decorria em São Tomé e Príncipe a “X Cimeira dos Cinco”, com os chefes de Estado de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé, os quais foram lestos em condenar a ocupação da Indonésia de Timor-Leste, sublinhando a “vontade dos cinco em articular esforços com Portugal para contribuir para uma solução negociada para o conflito”.

Por seu turno, o secretário-geral da ONU, Butros-Ghali, apelava ao bom senso; e o deputado português no Parlamento Europeu, Lucas Pires, chamava a atenção para o facto de as autoridades indonésias permitirem a pena de morte no seu país, sendo possível que pudessem ser condenados à morte os ativistas timorenses que fossem detidos. O deputado português participava numa sessão que defendia a abolição da pena de morte no mundo, embora acrescentando que “a Comunidade Europeia não tem total autoridade moral para condenar a pena de morte no mundo, uma vez que ainda não a aboliu por completo dentro do seu território”. Já o Governo brasileiro não apoiou a Missão de Paz, apesar de alguns dos passageiros do barco “Lusitânia” serem cidadãos do seu país. A posição brasileira era de neutralidade em relação às partes em conflito. Também o primeiro-ministro australiano, Paul Keating, manifestou dúvidas quanto à utilidade da Missão de Paz do “Lusitânia Expresso” e a sua capacidade para influenciar a situação de Timor Leste.

A bênção do Nobel

Em 11 de outubro de 1996, era dada a notícia de que o Prémio Nobel da Paz, nesse ano, era atribuído a Timor, nas pessoas de Ramos-Horta e do bispo Ximenes Belo, hoje caído em desgraça. O comité norueguês reconhecia assim legitimidade à causa timorense. 

Apesar de ter ficado de fora Xanana de Gusmão, o “guerrilheiro da causa” e que viria a ser o presidente timorense mais tarde, foi lembrado por Ramos-Horta quando tomou conhecimento da notícia: “Ele é que deveria ter sido o galardoado” – referiu. Já Ximenes disse que “este Nobel é para todo o povo”, ao saber também da notícia, depois de celebrar uma missa com a presença de cerca de dez mil pessoas.

Para justificar a atribuição do prémio, a mais prestigiada distinção política mundial, o Comité Nobel elaborou um comunicado às 11 horas do dia 11 de outubro:

“Em 1975, a Indonésia tomou o controlo de Timor-Leste e começou a oprimir sistematicamente a população. Nos anos que se seguiram, foi estimado que um terço da população de Timor Leste perdeu a vida, devido à fome, à doença, à guerra e ao terror”. 

Ao receber o prémio, Ramos Horta referiu:

“Penso que Timor Loro Sae pode ser independente antes do fim do século”.

E assim foi, com efeito.

EFEMÉRIDES DE MARÇO

1871 – Proclamada a Comuna de Paris.

1889 – Concluída a construção da Torre Eiffel, em Paris.

1921 – Formação do Partido Comunista Português.

1965 – Alexis Leonov, astronauta russo, foi o primeiro “peão” no espaço.

1973 – “Portugal e o futuro” editado por Spínola.

1974 – Movimento militar das Caldas fracassado.

1975 – “11 de março”, confrontação junto ao RAL 1 (Lisboa)

1981 – Atentado contra Ronald Reagan, PR dos EUA.

1982 – Formada a cooperativa de rádio TSF.

1985 – Carlos Lopes vence, pela terceira vez, o Mundial de Corta-Mato.

1985 – Portugal adere à CEE.

1992 – Início da Guerra na Bósnia.

1999 – Jugoslávia bombardeada pela NATO

2011 – Sismo e tsunami no Japão causaram mais de mil mortos.

2011 – Demissão do primeiro-ministro José Sócrates.

2011 – Morte de Elizabeth Taylor.

2016 – Tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa como presidente da República.

2016 – Atentado no aeroporto e metro de Bruxelas faz 34 mortos.

 

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