No dia 9 de outubro, subindo eu a Avenida Carvalho Araújo, confronto-me com o Padre Borges. Olhando-me pergunta-me: “ Então, tu o que fazes?” Respondo-lhe: “ Estou desempregado e aguardo que me chamem para um emprego aqui na Bila”. Com o seu olhar brilhante pergunta-me entusiasmado: “Tu não andaste no Conservatório de Música? “ Respondi que sim e mais decidido propõe-me: “Tu não queres ser Professor de Música em Vila Pouca de Aguiar?” Respondi: “Eu posso ser professor?”
Com toda a pressa, o Padre Borges escreve uma carta de recomendação para eu a entregar em mão ao Diretor Armando Sarmento, era bom demais o que acabara de ouvir. Ser professor era algo que eu considerava quase uma impossibilidade. Professor tinha estatuto acima de regedor, chefe de polícia ou comandante de bombeiros, pois qualquer pessoa se declinava em respeitosa vénia à sua passagem.
E logo me apresso a dar a boa nova ao meu irmão Mário que, curiosamente, passava ali com o seu Mini vermelho e a quem lhe peço boleia, e logo voámos para Vila Pouca, roncando, endiabrado, o carro de entusiasmo.
Já no destino pergunto ao dono de um talho- Zé Cavaco- pelo senhor diretor Sarmento e diz-me que, àquela hora, só pode estar no Café Tão. Uma vez lá dentro entrego-lhe a carta. Depois de a ler, olha-me de sorriso aberto e diz-me: “estava mesmo à sua espera, pois ainda não tenho professor de música”. E logo me convida para me mostrar as instalações da escola. Ao entrar, murmurei: “é aqui que eu vou partilhar a minha paixão pela música com os alunos”.
Cá fora, o meu irmão espera-me acima do edifício que dá para a estrada de Campo de Jales. A hora é de agradecimento a um Deus protetor.
Ao fundo, o vale está adormecido num silêncio acariciador.
O dia 16, segunda-feira, foi o meu primeiro dia como professor.
Aquela primeira aula foi uma lição de vida, corolário de muitos desafios e conquistas através da música.
Em numerosas instituições por onde passei, os cinco anos em Vila Pouca foram os mais gratificantes da minha carreira porque a boa relação com os colegas, e a educação esmerada dos alunos, iluminaram o meu sentido de vida e deram-me confiança para vencer e ultrapassar tantas dificuldades inerentes ao ensino e à educação.
Ser professor é ter nas mãos o mundo de amanhã, é acreditar que esta nobre missão só é válida quando colocada ao serviço das pessoas em qualquer nicho ou lugar. Educar pela música é como redimensionar a beleza de um jardim, onde há sempre uma flor que se quer abrir para cada um de nós e para o mundo.