Quarta-feira, 21 de Maio de 2025
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João Ferreira
João Ferreira
Investigador, Professor do Ensino Superior

O estranho Mundo de Jack Teixeira ou a contracultura da direita conservadora

Quem ligou a televisão ou leu as parangonas de um jornal nos últimos dias, dificilmente conseguiu evitar ouvir, ou ler, o nome de Jack Teixeira.

A combinação de nomes é desde logo exótica, Jack é nome de Yankee de pistola no coldre e Teixeira é sobrenome de vizinho do lado. Ouvir o procurador-geral dos Estados Unidos pronunciar “Jack Douglas Te-che-rrá” é tão ou mais divertido que ouvir a Manuela Ferreira Leite dizer “pí-quenas e médias empresas”. Mas o que torna Jack Teixeira notável é a forma incrivelmente banal como colocou na internet mais de 300 documentos secretos sobre a situação militar na Ucrânia, transferidos para uma plataforma online de conversas sobre jogos de computador. Este americano, de 21 anos, com um avô açoriano, membro da Guarda Nacional Americana, especialista em cibernética e com acesso a informação “sensível”, retirou documentos do local onde trabalhava e levou-os para casa, onde tirou fotografias que colocou na internet, mais concretamente num grupo de conversa de jogos online da aplicação Discord. Sim, estão a ler bem. É uma história inacreditável.

É claro que Jack não pensou bem no que fez e tomou muito poucas precauções ao fazê-lo. Por exemplo, porque os azulejos que aparecem nas fotografias dos documentos que o Jack tirou e colocou na internet são os mesmos que o FBI encontrou na casa onde o foi deter. O FBI acha que Jack roubou os documentos para impressionar os amigos. Não sei se foi. Mas quem faz Juramento de Bandeira e depois espalha segredos militares e de espionagem só pode ser é pouco avisado. Já os amigos dizem que ele é um bom cristão. Acresce que, alegadamente, o Jack gosta de orar e frequentemente faz “pausas” para proceder às orações. Gosta de jogos de guerra e de armas virtuais e reais. Terá feito uns vídeos a disparar e a dizer uns disparates racistas e antissemitas. Quem já se deparou com, digamos, as excêntricas formas de fé cristã americana não ficará muito surpreendido com o contexto. O Jack é um rapaz de valores americanos tradicionais, um conservador, que fez uma coisa muito infeliz que lhe está a estragar a vida. Já o facto de o Jack ser, mais uma vez, alegadamente, antiguerra e anti governo é surpreendente. Como certamente nos lembramos, o pacifismo e a rejeição do poder instituído estão intimamente ligados aos movimentos de contracultura, que rejeitaram muitos dos valores tradicionais, cristãos incluídos, e que são militantemente antirracistas, feministas e anticapitalistas, por exemplo. Os movimentos contra culturais eram anti governo porque achavam, e com razão, que quem mandava não partilhava dos seus valores. O governo era mau, moralmente corrupto, tinha de ser exposto ou até derrubado, por meios Revolucionários se fosse necessário. Já não é bem assim. O comportamento estrambólico de Jack é mais um sintoma de que este sentimento está agora firmemente alojado tanto em certos setores da esquerda como da direita. Caro leitor, só se se não se considerar um conservador é que vai ficar surpreendido com o que acabou de ler.

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