Segunda-feira, 20 de Janeiro de 2025
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António Martinho
António Martinho
VISTO DO MARÃO | Ex-Governador Civil, Ex-Deputado, Presidente da Assembleia da Freguesia de Vila Real

O muro não botou dinheiro pelo buraco

Era uma manhã sombria deste maio que prolongou as chuvas de abril.

Aquela senhora, de face rasgada por socalcos tisnados pelo sol, rugas nas mãos calejadas, roupa singela de cor castanho-claro, aspeto tristonho, aproximava-se da caixa multibanco. Arranquei-lhe, embaraçado, um sorriso tímido. Introduziu o seu cartão na ranhura e os dados indispensáveis à operação. A parede, habituada a expelir umas notas, não correspondeu. Não fizera jus ao dito popularizado de “botar dinheiro pelos buracos”.

Apressei-me a ajudar. Fizemos tudo bem, seguindo as orientações do ecrã. Eram só 20,00€. E a máquina recusou. “Verba insuficiente”, informou em linguagem seca e fria. Talvez gélida, mesmo. Faltavam dois dias para a chegada do vale.

Não partilharei convosco o que me ocorreu minutos depois, após o choque inicial e a observação da tristeza resignada que aquele rosto transmitiu. Eram só 20,00€. Estávamos à porta de um supermercado. Algo muito necessário ficou lá dentro e não pôde passar para a mesa da Srª Maria que os dias de trabalho neste Douro, tão generoso para uns e tão avaro para outros, não recompensavam. Minutos depois, a Antena 1 (ou seria a TSF?) anunciava mais uma exoneração. Desta vez, era o Diretor Geral da PSP. Isso, sim, é importante. Exonerar dirigentes. Pode uma cidadã, cansada de tantos dias a carregar canecos de sulfato nas vinhas, a apanhar azeitona nas encostas íngremes, ou a cortar uvas nas quintas dos ingleses, ficar impedida de levar para casa algo mais que acrescente ao almoço daquele dia; pode ter que franzir a testa com um queixume envergonhado a acompanhar, em surdina, um “tem pouco”. O importante são as exonerações e as nomeações. Por Lisboa, que concentra os centros de decisão, isso é que costuma ser importante. E as assimetrias, a coesão territorial de que só se fala, a fugir, nos momentos de campanha por cá, para que nenhum colunista se lembre de dizer que acabar com portagens nas estradas sem custos para o utilizador é uma asneira crassa, esses chavões não são mais que isso, chavões para papalvo comer.

Eu sei que alguns dos meus leitores terão um arrepio ao ler este Visto. Outros, nem se aperceberão dos problemas que persistem, pese embora o muito que já se fez. Negá-lo é estultícia. Mas são precisas correções na redistribuição da riqueza que todos criamos. Para que o dia 8 de cada mês não demore tanto a chegar. Afinal, como afirma aquele imigrante no Fundão, de que nos falava o Público do dia 11: “Parecemos diferentes, mas somos todos iguais. Somos todos humanos”.

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