Hodiernamente, vem surgindo na sociedade portuguesa, com cada vez mais frequência, uma certa nostalgia respeitante a Salazar e aos tempos do Estado Novo. Se, outrora, a personagem política mais marcante do século XX português optou por reavivar o imperialismo de outros momentos da história nacional, atualmente é o antigo líder que serve de referência e invocação, principalmente quando a temática é corrupção.
Somente porque Salazar não enriqueceu tanto quanto Franco – ditador do país vizinho – paira sobre os portugueses a ideia da sua honestidade, motivo pelo qual volta e meia se escutam elogios à sua governação.
Esta apoteose em torno do período de obediência apenas pode ser aclamada por quem nunca experienciou a privação de qualquer liberdade ou, vive tão alheio do contexto social português que, não tem sequer noção daquilo que representava o regime ditatorial na vida dos portugueses à época.
Parece haver um esquecimento daquilo que era o obscurantismo do qual Abril nos libertou, esvanecendo-se da memória de muitos as proibições vigentes à altura e a utilização da censura como fator de formação e consolidação do Salazarismo, tendo o ditador – por intermédio da PIDE – propagado a repressão de todas as formas de oposição ao regime politico-ditatorial.
À supra referida eram-lhe conferidos poderes para prender sem qualquer julgamento aos quais se adicionavam – em benefício do culto de regime – a tortura, a fabricação de provas e, em última instância, a morte de forma imprudente, meramente motivada na ação política e contra poder das indefesas vítimas.
Acreditar que naquele antro não vingava o clientelismo, o favorecimento indevido, a coação e a corrupção assenta numa linha de raciocínio tão desvirtuada que só se encontra ao alcance daqueles que julgam que devíamos voltar aos tempos da ditadura.
Trazer à colação Salazar para ser falar de verdade, justiça, economia e prosperidade é assistir a um contrassenso desmesurado, caracterizando-se quase tão irónico quanto o presenciar do chamamento do ditador e da PIDE por parte das franjas sociais que preenchem o seu discurso público e político com constantes críticas aos diferentes governos, independentemente do seu merecimento.
Verificar que após a ainda recente experiência repressiva – fustigadora de várias gerações – subsiste quem idealiza um país reprimido, estagnado, censurado e pobre, leva-nos a crer que a liberdade não é, de facto, para todos, encontrando-se exclusivamente ao alcance de quem a entende, sabe usar e tem capacidade de a respeitar e promover quando usada pelos outros.