Desde o inenarrável equívoco na colocação (não autorizada) do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho na candidatura, até à confissão que a autorização duraria apenas um ano(!), o caso tem contornos bizarros.
Este tipo de decisões, tomadas à revelia do bom senso e da prudência (o reitor desta Universidade foi condenado a 13 meses de prisão por desvio de milhões de euros), presume-se que estão contaminadas pelas correntes de cumplicidades políticas e interesses pessoais e institucionais que amarram o país. Mas existem, contudo, causas mais profundas que, na minha experiência, são fatores mais determinantes na tomada destas deliberações de caráter torpe. A saber: a ignorância e a incompetência de quem as toma. Consubstanciada numa certa forma de pensar, pedante e paternalista que acha que não vale a pena investir no interior. Este tipo de raciocínio, chamemos-lhe “metropolitano”, tem uma lógica circular que perpetua o preconceito e o subdesenvolvimento. Senão vejamos: não investimos no desenvolvimento de uma certa região do país, menos “desenvolvida”, porque é mais fácil e mais “barato” investir e capacitar estruturas já existentes nas regiões que, por razões que se perdem no tempo, são mais desenvolvidas. Assim, tempo, empenho e dinheiro circulam para essas zonas do país, concentrando recursos, pessoas e interesses. Estes últimos, com sucesso, fazem ‘lobby’ para obter ainda mais projetos e mais dinheiro, impedindo que este vá para as regiões cada vez mais depauperadas. É por isso que é difícil inverter a lógica de desenvolvimento dos grandes centros urbanos do litoral, e é preciso coragem e força de vontade para inverter este círculo vicioso.
Estou ciente de que, para além das honrosas exceções das Universidades da Covilhã e do Algarve, o anterior Ministro Manuel Heitor também já prometeu o curso de Medicina na UTAD para 2023, e que o reitor da UTAD Emídio Gomes já afirmou, e bem, que está empenhado e que já tem um plano. Mas ainda estamos à espera do anúncio oficial. E o facto de a A3ES ter acreditado, em primeiro lugar, os cursos da Católica e da Fernando Pessoa, duas privadas de Lisboa e Porto que irão cobrar propinas elevadíssimas, é um indicador sintomático.
É preciso dar dinheiro, capital humano e tempo para desenvolver o interior, porque não é de um dia para o outro que se cria uma Faculdade de Medicina em Trás-os-Montes. Os desafios são muitos e complexos, sobre os quais falarei numa próxima oportunidade. Mas quando mais cedo começarmos melhor. Não há tempo a perder e estamos com os olhos abertos, porque o “barato” sai caro a todos.